sexta-feira, 15 de junho de 2012

A ARTE DE SER FELIZ

XCI


Devia-se de facto ensinar às crianças a arte de ser feliz. Não a arte de ser feliz quando a desgraça vos cai em cima da cabeça; deixo isso aos estóicos; mas a arte de ser feliz quando as circunstâncias são passáveis e que todo o amargor da vida se reduz a pequenas contrariedades e a pequenos mal-estares.

A primeira regra seria de nunca falar dos seus próprios males, presentes ou passados. Devia considerar-se uma descortesia descrever aos outros uma dor de cabeça, uma náusea, uma acidez, uma cólica, nem mesmo que fosse em termos escolhidos. O mesmo para as injustiças e para as decepções. Era preciso explicar às crianças e aos jovens, aos homens também, alguma coisa que eles esquecem demasiado, parece-me, é que as queixas sobre si só podem entristecer os outros, quer dizer no fim de contas desagradar-lhes, mesmo quando procuram tais confidências, mesmo se parecem comprazer-se em consolar. Porque a tristeza é como um veneno; pode-se gostar dele, mas não encontrar-se bem; e é sempre o mais profundo sentimento que tem razão no fim. Cada um procura viver, e não morrer; e procura aqueles que vivem, entendo aqueles que se dizem contentes, que se mostram contentes. Que coisa maravilhosa seria a sociedade dos homens, se cada um levasse a sua lenha ao fogo, em vez de choramingar sobre as cinzas!

Notai que estas regras foram as da sociedade cortês; e é verdade que aí as pessoas se aborreciam, por não se poder falar livremente. A nossa burguesia soube dar às conversas de sociedade toda a franca linguagem que é preciso; e está muito bem. Não é no entanto uma razão para que cada um leve as suas misérias  ao montão; seria apenas um aborrecimento mais negro. E é uma razão para alargar a sociedade para além da família; porque, no círculo da família, muitas vezes,  por demasiado abandono, por demasiada confiança, se chega a queixar-se de pequenas coisas nas quais nem se pensaria sequer se se tivesse um pouco a intenção de agradar. O prazer da intriga à volta dos poderes vem sem dúvida de que se esquece então, por necessidade, mil pequenos males cujo relato seria fastidioso. O intrigante dá-se, como se diz, à canseira, e esta canseira transforma-se em prazer, como a do músico, como a do pintor; mas o intrigante primeiramente é liberto de todas as pequenas penas que não tem sequer a ocasião nem o tempo de contar. O princípio é este: se não falares das tuas penas, quero dizer das tuas pequenas penas, não pensarás muito tempo nelas.

Nesta arte de ser feliz, na qual eu penso, poria também conselhos úteis sobre o bom uso do mau tempo. No momento em que escrevo a chuva cai; as telhas ressoam; mil regozinhos tagarelam; o ar está lavado e como que filtrado; as nuvens parecem magníficos farrapos. É preciso aprender a captar belezas como essa. “Mas, diz um, a chuva estraga as colheitas.” E o outro: “ A lama suja tudo.” E um terceiro: “ É tão bom sentar-se na erva.” Entendido; sabe-se que é assim; as vossas queixas não retiram nada a isso, e eu recebo uma chuva de queixas que me persegue em casa. Pois bem, é sobretudo em tempo de chuva, que se querem caras alegres. Portanto, boa figura no mau tempo.


Alain
(Tradução de José Ames)

Sem comentários:

Enviar um comentário