LXII
Aqueles que se entregam aos acessos de tosse com uma
espécie de furor esperam, de facto, aliviar-se duma pequena cócega na garganta;
por este belo método só irritam a
garganta, ficam sem fôlego e extenuados. Por isso, nos hospitais e
noutras casas de saúde, se ensina aos doentes a não tossir; o que se consegue
primeiro retendo a tosse tanto quanto se pode; melhor ainda engolindo a saliva
até ao momento em que se vai tossir; porque um destes movimentos exclui o
outro; e enfim não se deixando indispor nem irritar por esta pequena cócega, que acalma por si
mesma se conseguirmos desprezá-la.
Do mesmo modo, há doentes que se coçam e que se dão assim
uma espécie de prazer confuso, misturado com a dor, que em seguida pagam com
dores mais agudas ainda. Da mesma maneira aqueles que tossem com toda a
vontade, chegam a uma espécie de fúria contra eles mesmos. É um método de ingénuo
presumido.
A insónia oferece dramas do mesmo género em que se sofre
do mal que fazemos a nós mesmos. Porque nada impede que fiquemos algum tempo sem dormir; e não se
está assim tão mal num leito. Mas a cabeça trabalha; diz-se que quer dormir;
aplica-se a dormir, põe nisso toda a sua atenção, e tão bem, que se fica desperto por esta vontade e por
esta mesma atenção. Ou então irritamo-nos, contamos as horas, julgamos absurdo
não empregar melhor o tempo precioso do repouso; ao mesmo tempo saltamos e
viramo-nos como uma carpa na relva. Método de ingénuo presumido.
Ou ainda melhor, e tanto de dia como de noite, se se tem
algum motivo para estar descontente, volta-se a isso logo que se pode;
retoma-se a sua própria história como se fosse um romance bem negro que se
deixou aberto em cima da mesa;
Mergulhamos assim no nosso próprio desgosto; regalamo-nos nele;
regressa-se ao que se receia esquecer; passa-se em revista todos os males
possíveis que se podem prever. Coça-se o seu mal enfim. Método de ingénuo
presumido.
Um amoroso a quem a sua bela mandou à vida não queria
pensar noutra coisa; mas retoma a felicidade passada e as perfeições da infiel,
e as sua perfídias, e as sua injustiças. Fustiga-se a si mesmo com toda a
vontade. Devia, se não podia pensar noutra coisa, considerar o seu desgosto de
outra maneira; dizer-se que é uma pequena tonta que já não está na flor da
juventude; imaginar a vida que teria tido com esta mulher tornada velha; pesar
escrupulosamente as alegrias passadas; ver o que cabe ao seu próprio
entusiasmo; fazer reviver esses minutos discordantes sobre os quais se passa
quando somos felizes, mas que na tristeza, servem então de consolo. Finalmente,
deter a sua atenção em algum traço físico, olho, nariz, boca, mão, pé, som da
voz que não agrada; há sempre; confesso que esse é um remédio heróico. É mais
fácil lançarmo-nos num trabalho complicado ou numa acção difícil. Mas, de
qualquer modo, é preciso aplicar-se a se consolar, em vez de se entregar ao
desgosto como à voragem. E aqueles que se aplicarem de boa fé serão mais
depressa consolados do que pensam.
(*)
No original, Gribouille: pessoa ingénua que se lança estupidamente nas
dificuldades que queria evitar ( Le Robert, Dicionário de Francês).
Alain
(Tradução de José Ames)