LXXXIV
Eu falava de uma “arte de viver” que era preciso ensinar.
Incluiria nela esta regra: "dar prazer”. Foi-me proposta por um homem que
conheci de tom bastante vivo, e que reformou o seu carácter. Uma tal regra
espanta no primeiro momento. Dar prazer, não é ser mentiroso, adulador,
cortesão? Entendamos bem a regra; trata-se de dar prazer todas as vezes que
isso seja possível sem mentira nem baixeza. Ora, quase sempre tudo isso nos é
possível. Quando dizemos alguma verdade desagradável, com uma voz azeda e o
sangue na cara, é apenas um movimento de humor, apenas uma curta doença que não
sabemos tratar; em vão queremos em seguida ver aí coragem; isso é duvidoso, se
não tivermos arriscado muito, e, primeiro, se não tivermos deliberado. Donde eu
tiraria este princípio de moral: “Não sejas nunca insolente a não ser por
vontade deliberada, e somente em relação a
um homem mais poderoso do que tu.” Mas sem dúvida vale mais dizer a
verdade sem forçar o tom, e mesmo, dentro da verdade, escolher o que é
louvável.
Há quase sempre de que louvar em tudo; porque os
verdadeiros móbiles, ignoramo-los sempre, e não custa nada supor antes a moderação do que a cobardia, antes a
amizade do que a prudência. Sobretudo
com os jovens, ponde tudo no melhor no que é apenas suposição, e fazei-lhes um
belo retrato deles mesmos; eles crer-se-ão assim; serão em breve assim; em lugar do que a crítica não
serve nunca para nada. Por exemplo, se é um poeta, retende e citai os mais
belos versos; se é um político, louvai-o por todo o mal que não fez.
Ocorre-me aqui uma história da escola primária. Um pequeno
malandro, que até ali só fazia farsas e garatujas, um dia fez correctamente o
terço duma página de paus. A professora passava pelos bancos e dava as boas
notas; como ela nem reparasse sequer neste terço de página feito com tanto
esforço: “Ah bom então m…!” diz o
malandreco; e disse a coisa muito cruamente, porque esta escola não fica
no bairro de Saint-Germain. Ao que a professora voltou a ele e lhe deu uma boa
nota sem outro comentário; tratava-se de paus e não de bela linguagem.
Mas estes são casos difíceis. Há tantos outros em que se
pode sempre, sem hesitação, sorrir e mostrar-se polido e agradável. Se vos empurraram
um pouco numa multidão, tende como regra rir disso; o riso dissolve o empurrão,
porque toda a gente se envergonha da pequena cólera que sente. E vós,
escapareis talvez a uma grande cólera, quer dizer a uma pequena doença.
É assim que eu conceberia a polidez; é apenas uma
ginástica contra as paixões. Ser cortês, é dizer ou significar, por todos os
seus gestos e por todas as suas palavras: “ Não nos irritemos; não estraguemos
este momento da nossa vida.” É pois bondade evangélica? Não. Eu não iria até
aí; acontece que a bondade é indiscreta e humilha. A verdadeira cortesia é
antes uma alegria contagiosa, que adoça todas as fricções. E esta cortesia
nunca é ensinada. Naquilo que se chama de sociedade polida, vi muitas costas
curvadas, mas nunca vi um homem cortês.
Alain
(Tradução de José Ames)
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