segunda-feira, 4 de junho de 2012

DAR PRAZER

LXXXIV


Eu falava de uma “arte de viver” que era preciso ensinar. Incluiria nela esta regra: "dar prazer”. Foi-me proposta por um homem que conheci de tom bastante vivo, e que reformou o seu carácter. Uma tal regra espanta no primeiro momento. Dar prazer, não é ser mentiroso, adulador, cortesão? Entendamos bem a regra; trata-se de dar prazer todas as vezes que isso seja possível sem mentira nem baixeza. Ora, quase sempre tudo isso nos é possível. Quando dizemos alguma verdade desagradável, com uma voz azeda e o sangue na cara, é apenas um movimento de humor, apenas uma curta doença que não sabemos tratar; em vão queremos em seguida ver aí coragem; isso é duvidoso, se não tivermos arriscado muito, e, primeiro, se não tivermos deliberado. Donde eu tiraria este princípio de moral: “Não sejas nunca insolente a não ser por vontade deliberada, e somente em relação a  um homem mais poderoso do que tu.” Mas sem dúvida vale mais dizer a verdade sem forçar o tom, e mesmo, dentro da verdade, escolher o que é louvável.

Há quase sempre de que louvar em tudo; porque os verdadeiros móbiles, ignoramo-los sempre, e não custa nada supor  antes a moderação do que a cobardia, antes a amizade  do que a prudência. Sobretudo com os jovens, ponde tudo no melhor no que é apenas suposição, e fazei-lhes um belo retrato deles mesmos; eles crer-se-ão assim; serão  em breve assim; em lugar do que a crítica não serve nunca para nada. Por exemplo, se é um poeta, retende e citai os mais belos versos; se é um político, louvai-o por todo o mal que não fez.

Ocorre-me aqui uma história da escola primária. Um pequeno malandro, que até ali só fazia farsas e garatujas, um dia fez correctamente o terço duma página de paus. A professora passava pelos bancos e dava as boas notas; como ela nem reparasse sequer neste terço de página feito com tanto esforço: “Ah bom então m…!” diz o  malandreco; e disse a coisa muito cruamente, porque esta escola não fica no bairro de Saint-Germain. Ao que a professora voltou a ele e lhe deu uma boa nota sem outro comentário; tratava-se de paus e não de bela linguagem.

Mas estes são casos difíceis. Há tantos outros em que se pode sempre, sem hesitação, sorrir e mostrar-se polido e agradável. Se vos empurraram um pouco numa multidão, tende como regra rir disso; o riso dissolve o empurrão, porque toda a gente se envergonha da pequena cólera que sente. E vós, escapareis talvez a uma grande cólera, quer dizer a uma pequena doença.

É assim que eu conceberia a polidez; é apenas uma ginástica contra as paixões. Ser cortês, é dizer ou significar, por todos os seus gestos e por todas as suas palavras: “ Não nos irritemos; não estraguemos este momento da nossa vida.” É pois bondade evangélica? Não. Eu não iria até aí; acontece que a bondade é indiscreta e humilha. A verdadeira cortesia é antes uma alegria contagiosa, que adoça todas as fricções. E esta cortesia nunca é ensinada. Naquilo que se chama de sociedade polida, vi muitas costas curvadas, mas nunca vi um homem cortês.


Alain
(Tradução de José Ames)

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