LXXXIII
Há uma polidez de cortesão, que não é bela. Mas também não
é cortesia. E parece que tudo o que é deliberado está fora da cortesia. Por
exemplo um homem realmente polido poderá tratar duramente e até à violência um
homem desprezível ou mau; não é descortesia. A benevolência deliberada não é
também cortesia; a lisonja calculada não é cortesia. A cortesia relaciona-se
somente com as acções que se fazem sem pensar e que exprimem alguma coisa que
temos a intenção de exprimir.
Um homem de primeiro movimento, que diz tudo o que lhe
vem, que se abandona ao primeiro sentimento, que mostra sem contenção espanto, desgosto, prazer,
antes mesmo de saber aquilo que experimenta, é um homem descortês; terá sempre
que pedir desculpa, por ter perturbado e inquietado os outros sem intenção,
contra a sua intenção.
É penoso ferir alguém sem querer, por um relato à doida; o
homem cortês é aquele que sente o incómodo antes que o mal seja sem remédio, e
que muda de rumo elegantemente; mas há mais cortesia ainda em adivinhar
antecipadamente aquilo que é preciso dizer e o que não se deve dizer, e, na
dúvida, em deixar ao dono da casa a direcção da conversa. Tudo isso para evitar
prejudicar sem querer; porque, se julgar necessário picar um perigoso personagem no sítio certo,
é livre de o fazer; o seu acto releva então da moral propriamente falando, e já
não da cortesia.
A descortesia é sempre falta de jeito. É errado fazer
sentir a alguém a idade que tem; mas se o fazemos sem querer, pelo gesto ou
pela fisionomia, ou palavra pouco meditada, somos descorteses. Calcar o pé de
alguém é violência se se faz voluntariamente; se é involuntariamente é
descortesia. As descortesias são ricochetes imprevistos; um homem polido
evita-as e só toca onde quer tocar; toca ainda melhor. Polido não quer dizer
adulador necessariamente.
A cortesia é pois um hábito e um à vontade. O descortês, é
aquele que faz outra coisa que não o que quer fazer, como quando arrasta
consigo a baixela ou os bibelots; é aquele que diz o que não quer dizer, ou que
significa, pelo tom brusco, pela voz inutilmente forte, pela hesitação, pela
gaguez, outra coisa que não o que quer significar. A cortesia pode pois
aprender-se, como a esgrima. Um fátuo é um homem que significa sem saber o quê,
por extravagância deliberada. Um tímido é um homem que gostaria de não ser
fátuo, mas que não sabe como fazer, porque adverte a importância dos actos e
das palavras; por isso o vedes apertar-se e contrair-se, a fim de se impedir de
agir e de falar; esforço prodigioso sobre si mesmo, que o torna tremente, suado
e vermelho, e ainda mais desajeitado do que é por natureza. A graça, pelo
contrário, é uma felicidade de expressão e de movimento que não inquieta nem
fere ninguém. E as qualidades deste género importam muito para a felicidade.
Uma arte de viver nunca as deve negligenciar.
Alain
(Tradução de José Ames)
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