LXXXII
A cortesia aprende-se como a dança. Aquele que não sabe
dançar crê que o difícil é conhecer as regras da dança e de a elas conformar os
movimentos; mas isso é só o exterior da coisa; é preciso chegar a dançar sem
rigidez, sem perturbação, e por conseguinte sem medo. Da mesma maneira, é pouca
coisa conhecer as regras da cortesia; e, mesmo se nos conformamos a elas,
encontramo-nos ainda no limiar da
cortesia. É preciso que os movimentos sejam precisos, flexíveis, sem rigidez
nem tremor; porque o menor tremor se comunica. E o que é uma cortesia que
inquieta?
Notei muitas vezes um som de voz que é por si só
descortês; um professor de canto diria que a garganta está apertada e que os
ombros não estão distendidos o bastante. A própria atitude dos ombros torna
descortês um acto cortês. Demasiada paixão; segurança esforçada; força
acumulada. Os professores de armas dizem sempre: “Demasiada força”; e a esgrima
é uma espécie de cortesia, que facilmente conduz a toda a cortesia. Tudo o que
parece brutal e arrebatado é descortês; os sinais bastam; a ameaça basta.
Podia-se dizer que a descortesia é sempre uma espécie de ameaça. A graça
feminina encolhe-se então e procura protecção. Um homem que treme, pela sua
força mal disciplinada, que dirá se se
anima e se arrebata? É por isso que nunca se deve falar alto. Quem via Jaurès
num salão via um homem pouco preocupado com a opinião e os usos, e
frequentemente mal engravatado; mas a voz era toda uma cortesia, por uma doçura
cantante onde a orelha não descobria força nenhuma; coisa miraculosa, porque
toda a gente se recordava desta dialéctica metálica e deste rugido, voz do povo
leão. A força não é contrária à cortesia; ela ornamenta-a; é poder sobre poder.
Um homem descortês é ainda descortês quando está só;
demasiada força no menor movimento. Sente-se a paixão atada e este medo de si
que é timidez. Lembro-me de ter ouvido um homem tímido que discutia
publicamente de gramática; o seu tom era o do ódio mais vivo. E, como as
paixões se ganham bem mais depressa do que as doenças, nunca me admira
encontrar o furor nas opiniões mais inocentes; é apenas muitas vezes uma
espécie de terror que cresce pelo som da própria voz, e por vãos esforços
contra si mesmo. E pode ser que o fanatismo seja primeiro descortesia; porque o
que se exprime, mesmo sem o querer, é bem preciso que no fim se sinta. Assim o
fanatismo seria um fruto da timidez; um medo de não defender o bastante aquilo
em que se crê; enfim, como o medo nunca se suporta, um furor contra si e contra
todos, que comunica uma força temível às opiniões mais incertas. Observai os
tímidos, e como eles tomam partido, conhecereis que a convulsão é um estranho
método de pensar. Por este desvio se compreende como uma taça de chá em que a
mão pega civiliza um homem. O professor de armas julgava um atirador pela
maneira de rodar uma colher numa chávena de café, sem fazer um movimento a
mais.
Alain
(tradução de José Ames)