quinta-feira, 14 de junho de 2012

QUE A FELICIDADE É GENEROSA

XC


É preciso querer ser feliz e pôr nisso de si. Se se fica na posição do espectador imparcial, deixando somente a entrada à felicidade e portas abertas, é a tristeza que entra. A verdade do pessimismo está nisto que o simples humor não governado vai ao triste ou o irritado; como se vê na criança desocupada, e não se espera muito. A atracção do jogo, tão poderosa nesta idade, não é a dum fruto que desperta a fome ou a sede; mas antes vejo nisso uma vontade de ser feliz pelo jogo, como se vê que os outros são. E a vontade encontra aqui a sua pega, porque só se trata  de nos movermos, de lançar o pião, de correr e de gritar; coisas que se podem querer, porque a execução segue logo: a mesma resolução se vê nos prazeres mundanos, que são prazeres por decreto, mas que exigem também que nos apliquemos pelo trajo e a atitude, o que sustenta o decreto. O que agrada sobretudo ao citadino no campo, é que ele vai lá; o agir traz o desejar. Eu creio que não sabemos bem desejar aquilo que não podemos fazer, e que a esperança não ajudada é sempre triste. É por isso que a vida privada é sempre triste, se cada um espera a felicidade como qualquer coisa que lhe é devida.

Cada um observou já algum tirano doméstico; e gostaríamos de pensar, numa visão demasiado simples, que o egoísta faz do seu próprio humor a lei daqueles que o rodeiam; mas as coisas não vão assim; o egoísta é triste porque espera a felicidade; mesmo sem nenhum daqueles pequenos males que não faltam nunca, o aborrecimento vem; é pois a lei do aborrecimento e da infelicidade que o egoísta impõe àqueles que o amam ou àqueles que o temem. Pelo contrário, o bom humor tem qualquer coisa de generoso; dá mais do que o que recebe. É bem verdade que nós devemos pensar na felicidade de outrem; mas não se diz o bastante que o que podemos fazer de melhor por aqueles que nos amam, é ainda ser feliz.

É o que nos ensina a cortesia, que é uma felicidade de aparência, logo sentida pela reacção do fora sobre o dentro, lei constante e constantemente esquecida; por isso aqueles que são polidos são logo recompensados, sem saberem que o são. A melhor lisonja dos jovens, e que nunca falha o seu efeito, é que  não perdem diante das pessoas de idade o brilho da felicidade  que é a beleza; é como uma graça que fazem; e chama-se graça, num outro sentido desta palavra tão rica, a felicidade sem causa, e saindo do ser como duma fonte. Na boa graça  há um pouco mais de atenção, e também de intenção, o que acontece quando a riqueza da idade jovem já não basta. Mas, qualquer que seja o tirano,  é sempre fazer-lhe a corte comer bem e não mostrar ponta de aborrecimento. É por isso que acontece que um tirano triste, e que parece não gostar nada da alegria nos outros, é muitas vezes vencido e conquistado por aqueles em quem a alegria é mais forte do que tudo. Os autores também agradam pela alegria de escrever, e diz-se muito bem felicidade de expressão,  passo feliz. Todo o ornamento é de alegria. Os nossos semelhantes não nos pedem nunca senão o que é para nós de mais agradável. Por isso a cortesia recebeu o belo nome de saber-viver.


Alain
(Tradução de José Ames)

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