XC
É preciso querer ser feliz e pôr nisso de si. Se se fica
na posição do espectador imparcial, deixando somente a entrada à felicidade e
portas abertas, é a tristeza que entra. A verdade do pessimismo está nisto que
o simples humor não governado vai ao triste ou o irritado; como se vê na criança
desocupada, e não se espera muito. A atracção do jogo, tão poderosa nesta
idade, não é a dum fruto que desperta a fome ou a sede; mas antes vejo nisso
uma vontade de ser feliz pelo jogo, como se vê que os outros são. E a vontade
encontra aqui a sua pega, porque só se trata
de nos movermos, de lançar o pião, de correr e de gritar; coisas que se
podem querer, porque a execução segue logo: a mesma resolução se vê nos
prazeres mundanos, que são prazeres por decreto, mas que exigem também que nos
apliquemos pelo trajo e a atitude, o que sustenta o decreto. O que agrada
sobretudo ao citadino no campo, é que ele vai lá; o agir traz o desejar. Eu
creio que não sabemos bem desejar aquilo que não podemos fazer, e que a
esperança não ajudada é sempre triste. É por isso que a vida privada é sempre
triste, se cada um espera a felicidade como qualquer coisa que lhe é devida.
Cada um observou já algum tirano doméstico; e gostaríamos
de pensar, numa visão demasiado simples, que o egoísta faz do seu próprio humor
a lei daqueles que o rodeiam; mas as coisas não vão assim; o egoísta é triste
porque espera a felicidade; mesmo sem nenhum daqueles pequenos males que não
faltam nunca, o aborrecimento vem; é pois a lei do aborrecimento e da
infelicidade que o egoísta impõe àqueles que o amam ou àqueles que o temem.
Pelo contrário, o bom humor tem qualquer coisa de generoso; dá mais do que o
que recebe. É bem verdade que nós devemos pensar na felicidade de outrem; mas
não se diz o bastante que o que podemos fazer de melhor por aqueles que nos
amam, é ainda ser feliz.
É o que nos ensina a cortesia, que é uma felicidade de
aparência, logo sentida pela reacção do fora sobre o dentro, lei constante e
constantemente esquecida; por isso aqueles que são polidos são logo
recompensados, sem saberem que o são. A melhor lisonja dos jovens, e que nunca
falha o seu efeito, é que não perdem
diante das pessoas de idade o brilho da felicidade que é a beleza; é como uma graça que fazem; e
chama-se graça, num outro sentido desta palavra tão rica, a felicidade sem
causa, e saindo do ser como duma fonte. Na boa graça há um pouco mais de atenção, e também de
intenção, o que acontece quando a riqueza da idade jovem já não basta. Mas,
qualquer que seja o tirano, é sempre
fazer-lhe a corte comer bem e não mostrar ponta de aborrecimento. É por isso
que acontece que um tirano triste, e que parece não gostar nada da alegria nos
outros, é muitas vezes vencido e conquistado por aqueles em quem a alegria é
mais forte do que tudo. Os autores também agradam pela alegria de escrever, e
diz-se muito bem felicidade de expressão,
passo feliz. Todo o ornamento é de alegria. Os nossos semelhantes não
nos pedem nunca senão o que é para nós de mais agradável. Por isso a cortesia recebeu
o belo nome de saber-viver.
Alain
(Tradução de José Ames)
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