quarta-feira, 20 de junho de 2012

O DEVER DE SER FELIZ

XCII


Não é difícil ser infeliz ou descontente; basta sentar-se, como faz um príncipe que espera que o divirtam; esse olhar que espia e pesa a felicidade como um comestível lança sobre todas as coisas a cor do aborrecimento; não sem majestade, porque há uma espécie de força em desprezar todas as oferendas; mas vejo também nisso uma impaciência e uma cólera  em comparação com os operários engenhosos que fazem felicidade com pouca coisa, como as crianças fazem jardins. Eu fujo. A experiência mostrou-me já o suficiente que não se podem distrair aqueles que se aborrecem com eles mesmos.

Pelo contrário, a felicidade é bela de ver; é o mais belo espectáculo. O que há de mais belo  do que uma criança? Mas também ela põe-se toda nos seus jogos; não espera que joguem por ela. É verdade que a criança amuada nos oferece também uma outra face, a que recusa toda a alegria; e felizmente a infância esquece depressa, mas cada um já pôde conhecer crianças grandes que ainda não deixaram de amuar. Que as suas razões são fortes, eu sei; é sempre difícil ser feliz; é um combate contra muitos acontecimentos e contra muitos homens; pode acontecer que se seja vencido; há sem dúvida acontecimentos insuperáveis e desgraças mais fortes do que o aprendiz de estóico; mas é o dever mais claro talvez não se dar por vencido antes de se ter lutado com todas as suas forças. E, sobretudo, o que me parece evidente, é que é impossível ser feliz se não se quer sê-lo; é preciso pois querer a sua felicidade e fazê-la.

O que não se disse o bastante, é que é um dever também para com os outros ser feliz. Diz-se bem que só é amado aquele que é feliz; mas esquece-se que essa recompensa é justa e merecida; porque a infelicidade, o aborrecimento e o desespero andam no ar que respiramos todos; assim devemos reconhecimento e coroa de atleta àqueles que digerem os miasmas, e purificam de alguma maneira a vida comum pelo seu enérgico exemplo. Por isso não há nada de mais profundo no amor do que o juramento de ser feliz. O que é mais difícil de ultrapassar do que o aborrecimento, a tristeza ou a desgraça daqueles que se ama? Todo o homem e toda a mulher deveriam pensar continuamente nisto que a felicidade, entendo aquela que se conquista para si, é a oferenda mais bela e a mais generosa.

Iria mesmo até a propor alguma coroa cívica para recompensar os homens que  tomassem o partido de ser felizes. Porque, na minha opinião,  todos esses cadáveres, e todas essas ruínas, essas loucas despesas, essas ofensivas de precaução, são  obra de homens que nunca souberam ser felizes e que não podem suportar aqueles que o tentam ser. Quando eu era criança, pertencia à espécie dos pesos pesados, difíceis de vencer, difíceis de mover, lentos a emocionar-se.  Por isso acontecia frequentemente que algum peso leve, magro de tristeza e de aborrecimento, se divertia a puxar-me  pelos cabelos, a beliscar-me, e troçando ainda por cima, até ao soco sem medida que recebia e terminava tudo. Agora, quando reconheço algum gnomo que anuncia as guerras e as prepara, nunca examino as suas razões, estando já suficientemente esclarecido sobre estes génios malfeitores que não podem suportar que se esteja tranquilo. Assim a tranquila França, como a tranquila Alemanha, são aos meus olhos crianças robustas, atormentadas  e postas por fim fora de si mesmas por um punhado de garotos maus.



Alain
(Tradução de José Ames)

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