quinta-feira, 7 de junho de 2012

VITÓRIAS

LXXXVII


Desde que um homem procura a felicidade, é condenado a não a encontrar, e não há mistério nisso. A felicidade não é como esse objecto na vitrina, que se pode escolher, pagar, levar; se o olhardes bem,  será azul ou vermelho em vossa casa como na vitrina. Enquanto que a felicidade só é felicidade quando se a tem; se a procurais no mundo, fora de vós mesmos,  nada terá jamais o aspecto da felicidade. Em resumo, não se pode arrazoar nem prever  a respeito da felicidade; é preciso tê-la agora. Quando parece estar no futuro, pensai bem, é que já a tendes. Esperar, é ser feliz.

Os poetas explicam muitas vezes mal as coisas; e eu compreendo-o bem; têm tanta dificuldade em ajustar as sílabas e as rimas que estão condenados a ficar pelos lugares comuns. Eles dizem que a felicidade resplandece enquanto está ao longe e no futuro, e que, quando a temos, já não é nada de bom; como se se quisesse agarrar o arco íris, ou segurar a fonte no oco da sua mão. Mas é falar grosseiramente. É impossível perseguir a felicidade, senão em palavras; e o que sobretudo entristece aqueles que procuram a felicidade à sua volta, é que não chegam nunca a desejá-la. Jogar ao bridge,  não me diz nada, porque  não jogo. O boxe e a esgrima, é o mesmo. A música, do mesmo modo, só pode agradar àquele que venceu primeiro certas dificuldades; a leitura, a mesma coisa. É preciso coragem para entrar em Balzac; começamos por nos aborrecer. O gesto do leitor preguiçoso é bem divertido; ele folheia, lê algumas linhas, deixa o livro; a felicidade de ler é de tal modo imprevisível que um leitor exercitado se espanta ele mesmo. A ciência não agrada em perspectiva; é preciso entrar nela. E é preciso um constrangimento no início e uma dificuldade sempre. Um trabalho regulado  e vitórias atrás de vitórias, eis sem dúvida a fórmula da felicidade. E quando a acção é comum, como no jogo de cartas, ou na música, ou na guerra, é então que a felicidade é viva.

Mas há felicidades solitárias que trazem sempre as mesmas marcas, acção, trabalho, vitória; assim é a felicidade do avarento ou do coleccionador, que, de resto, se assemelham muito. Donde vem que a avareza é tomada por um vício, sobretudo se o avarento acaba por  se deter nas velhas moedas de oiro, enquanto que se   admira até aquele que põe em vitrina esmaltes, marfins, ou pinturas, ou livros raros? Faz-se pouco do avarento que não quer trocar o seu oiro por outros prazeres, enquanto que há coleccionadores de livros que nunca os lêem, com medo de os sujar. Na verdade, essas felicidades, como todas as felicidades, são impossíveis de gozar de longe; é o coleccionador que ama os selos do correio, e eu não compreendo nada disso. Da mesma maneira, é o pugilista que ama o boxe e o caçador que ama a caça, e o político que ama a política. É na acção livre que se é feliz; é pela regra que nos damos que somos felizes; pela disciplina aceite, numa palavra, seja no jogo de futebol, seja no estudo das ciências. E estas obrigações, vistas de longe, não agradam, mas pelo contrário desagradam. A felicidade é uma recompensa que vai para aqueles que não a procuraram.


Alain
(Tradução de José Ames)

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