sexta-feira, 8 de junho de 2012

POETAS

LXXXVIII


É uma bela amizade a de Goethe e Schiller, que se vê nas suas cartas. Cada um dá ao outro o único socorro que uma natureza pode esperar de outra, que é que a outra a confirme e lhe peça somente para ser igual a si mesma. É pouco tomar os seres como eles são, e é preciso sempre chegar aí; mas querê-los como eles são, eis o amor verdadeiro. Estes dois homens, pois, cada um empurrando para fora a sua natureza exploradora, viram em comum pelo menos isto, que as diferenças são belas, e que os valores se ordenam não de uma rosa a um cavalo, mas duma rosa a uma bela rosa, e dum cavalo a um belo cavalo. Diz-se bem que  não se devem discutir os gostos, e isso é verdade se um prefere uma rosa e o outro um cavalo; mas sobre o que é uma bela rosa ou um belo cavalo, pode-se discutir porque se pode chegar a acordo. Todavia estes exemplos são ainda abstractos, embora estejam no bom caminho, porque tais seres são ainda servos da espécie, ou então nossos e das nossas necessidades. Ninguém litigará pela música, nem pela pintura; mas discute-se utilmente sobre o quadro original e a cópia, reconhecendo num os sinais  da natureza livre e desenvolvendo-se do seu próprio fundo, e na outra as cicatrizes do escravo e o desenvolvimento pela ideia exterior. Os nossos dois poetas deviam sentir estas diferenças na ponta da sua pena. O admirável é que, reflectindo entre eles e ocupando-se muitas vezes  de perfeição e de ideal, nunca tenham por um só momento extraviado o seu génio próprio. Cada um, é certo, aconselha o outro, e isso acaba por querer dizer: “Eis como eu teria feito.” Mas ao mesmo tempo cada um sabe bem que aquilo que aconselha ao outro é como que nulo para o outro. E o outro, em resposta,  reenvia fortemente o conselho ao conselheiro, resolvido a procurar pelas suas próprias vias.

Suponho que o poeta, e todo o artista, é advertido, pela felicidade, do que pode e do que não pode; porque a felicidade, como diz Aristóteles, é o sinal das forças. Mas esta regra, ao que creio, é boa para todos. Só há de temível no mundo o homem que se aborrece. Todos aqueles que se diz que são maus são descontentes nisso; não descontentes porque são maus; mas antes este aborrecimento que os segue por todo o lado é o sinal que eles não desenvolvem em nada a sua perfeição própria, e que assim  agem ao modo das causas cegas e mecânicas. De resto,  não há sem dúvida no mundo senão o louco furioso que exprima ao mesmo tempo a mais profunda infelicidade e a pura maldade. Todavia, naqueles que chamamos maus, em cada um de nós também, noto alguma coisa de perdido e de mecânico, ao mesmo tempo que o furor de escravo. Pelo contrário, o que é feito com felicidade é bom. As obras de arte testemunham isso bem claramente. Diz-se energicamente dum traço que é feliz. Mas toda a acção boa é ela mesmo bela e embeleza o rosto do homem. Ora, é universal que não se teme nunca uma bela face. Donde conjecturo que as perfeições não se contrariam nunca e que só as imperfeições ou os vícios  lutam entre si; de que o medo é um exemplo chocante. E é por isso que o método de encadear, que é do tirano e o do poltrão, me pareceu sempre essencialmente louco, e pai de toda a loucura. Desatai, libertai, e não tenhais medo. Quem é livre está desarmado.


Alain
(Tradução de José Ames)

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