quinta-feira, 21 de junho de 2012

É PRECISO JURAR

XCIII


O pessimismo é de humor; o optimismo é de vontade. Todo o homem que se deixa ir é triste, mas é dizer pouco, depressa irritado e furioso. Como se vê que os jogos das crianças, se não têm regra, acabam em batalha; e sem outra causa aqui além dessa força desordenada que se morde a si mesma. No fundo, não há bom humor nenhum; mas o humor, a falar exactamente, é sempre mau, e toda a felicidade é de vontade e governo. Em todos os casos o raciocínio é servo. O humor compõe sistemas espantosos que se vêem ampliados nos loucos; há sempre verosimilhança e eloquência nos discursos dum infeliz que se crê perseguido. A eloquência optimista é do género calmante;  opõe-se apenas ao furor tagarela; modera; é o tom que faz prova, e as palavras importam menos do que a canção. Este rosnar de cão, que sempre se ouve no humor, é o que primeiro é preciso mudar; porque é um mal certo em nós, e que produz todas as espécies de males fora de nós. Eis por que a polidez é uma boa regra de política; estas duas palavras são parentes; quem é polido é político.

A insónia ensina-nos sobre isso; e toda a gente conhece esse estado singular, que faria crer que a existência é em si  mesma insuportável. Aqui é preciso olhar de perto. O governo de si faz parte da existência; melhor,  compõe-na e assegura-a. Primeiro pela acção. A fantasia dum homem que serra madeira  dá facilmente em bem. Quando a matilha anda em busca, não é então que os cães se batem. O primeiro remédio para os males do pensamento é pois serrar madeira. Mas o espírito bem desperto é já tranquilizante por si mesmo; escolhendo, afasta. Ora, está aqui o mal da insónia; é que se quer dormir e que se ordena a si mesmo não se mexer e não escolher. Nesta ausência de governo, logo os movimentos e as ideias em conjunto seguem um curso mecânico; os cães lutam entre si. Todo o movimento é convulsivo e toda a ideia é picante. Duvida-se então do melhor dos amigos; todos os sinais são mal interpretados; qualquer pessoa se vê ridícula e tola. Estas aparências são muito fortes, e não é a hora de serrar madeira.

Vê-se muito bem por isso que o optimismo quer um juramento. Por muito estranho que isso à partida pareça, é preciso jurar ser feliz. É preciso que o chicote do dono pare todos esses uivos de cães. Enfim, por precaução,  todo o pensamento triste deve ser reputado enganador. É preciso isso, porque  fazemos infelicidade naturalmente desde que não fazemos nada. O aborrecimento o prova. Mas o que mostra melhor que as nossas ideias não são por si mesmas picantes e que é a nossa própria agitação que nos irrita, é o estado feliz de sonolência em que tudo está relaxado no corpo; isso não dura muito; quando o sono se anuncia assim, não está longe. A arte de dormir, que pode aqui ajudar a natureza, consiste principalmente em não querer pensar por metade. Ou bem se pôr todo, ou então não se pôr nada, pela experiência de que os pensamentos não governados são todos falsos. Este enérgico juízo rebaixa-os todos ao nível de sonhos, e prepara esses felizes sonhos que não têm espinhos. Ao contrário, a chave dos sonhos dá importância a tudo. É a chave da infelicidade.


Alain
(Tradução de José Ames)

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