sexta-feira, 23 de março de 2012

AGIR

XLII


Todos os corredores se esforçam bastante. Todos os  jogadores de futebol se esforçam bastante. Todos os pugilistas se esforçam bastante. Lê-se em todo o lado que os homens procuram o prazer; mas isso não é evidente; parece até que eles procuram o esforço e que amam o esforço. O velho Diógenes dizia: “ O que há de melhor é o esforço.” Sobre isso dir-se-á que todos eles encontram o prazer nesse esforço que procuram; mas é jogar com as palavras; é felicidade e não prazer que seria preciso dizer; são duas coisas muito diferentes, tão diferentes quanto a escravatura e a liberdade.

Quer-se agir e não sofrer. Todos os homens que se esforçam tanto não gostam, sem dúvida, do trabalho forçado; ninguém gosta do trabalho forçado; ninguém gosta dos males que caem; ninguém gosta de sentir a necessidade. Mas logo que me esforço livremente, eis-me contente. Eu escrevo estes textos. “Ora aí está um grande esforço”, dirá algum escritor que vive da sua pena; só que ninguém me  força a escrevê-los; e este trabalho voluntário é um prazer, ou uma felicidade, para melhor dizer. O pugilista não gosta dos golpes que vêm ao seu encontro, mas gosta daqueles que procura. Não há nada de tão agradável como uma vitória difícil, quando o combate depende de nós. No fundo, só se gosta da força. Pelos monstros que procurava e esmagava, Hércules provava a sua força a si mesmo. Mas logo que se sentiu enamorado, sentiu a sua própria escravatura e a força do prazer; todos os homens são assim; e é por isso que  o prazer os torna tristes.

O avarento priva-se de muitos prazeres, e dá-se um vivo prazer, primeiro triunfando sobre os prazeres, e também acumulando força; mas ele quer devê-la a si mesmo. Aquele que se torna rico por herança é um avarento triste, se é avaro; porque toda a felicidade é poesia essencialmente, e poesia quer dizer acção; não se gosta nada dum prazer que vos cai, quer-se tê-lo feito. A criança troça dos nossos jardins, e faz um belo jardim para si, com montes de areia e fios de palha. Imaginais um coleccionador que não tivesse feito a sua colecção?

Creio bem que o que agrada na guerra, é que a fazemos. Há uma liberdade evidente em cada homem, logo que está armado; e riríamos dum estado-maior que quisesse forçar os homens a bater-se. Mas logo que eles sentem a liberdade, entram numa vida nova e ganham-lhe o gosto. Recear a morte, é sempre preciso, e esperá-la, e enfim sofrê-la. Mas o que vai à frente dela e de alguma maneira a chama em campo fechado, esse sente-se mais forte do que ela. Toda a gente sabe bem que é mais fácil aos soldados  ir procurá-la do que esperá-la; e ama-se mais o destino que se faz do que aquele que o tempo traz. Há portanto uma poesia na guerra que leva até a que não se odeie o inimigo. É esta embriaguês da liberdade que faz compreender a guerra e todas as paixões. Uma peste é imposta; uma guerra é como que inventada, à maneira dos jogos. É por isso que me parece que a prudência não é uma garantia de paz suficiente; é por amor da justiça que se suporta a paz; e é porque a justiça é difícil de fazer, mais difícil do que uma ponte ou do que um túnel, é por isso que a paz será; só por isso.


Alain
(Tradução de José Ames)

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