XLII
Todos os corredores se esforçam bastante. Todos os jogadores de futebol se esforçam bastante.
Todos os pugilistas se esforçam bastante. Lê-se em todo o lado que os homens
procuram o prazer; mas isso não é evidente; parece até que eles procuram o
esforço e que amam o esforço. O velho Diógenes dizia: “ O que há de melhor é o
esforço.” Sobre isso dir-se-á que todos eles encontram o prazer nesse esforço
que procuram; mas é jogar com as palavras; é felicidade e não prazer que seria
preciso dizer; são duas coisas muito diferentes, tão diferentes quanto a
escravatura e a liberdade.
Quer-se agir e não sofrer. Todos os homens que se esforçam
tanto não gostam, sem dúvida, do trabalho forçado; ninguém gosta do trabalho
forçado; ninguém gosta dos males que caem; ninguém gosta de sentir a
necessidade. Mas logo que me esforço livremente, eis-me contente. Eu escrevo
estes textos. “Ora aí está um grande esforço”, dirá algum escritor que vive da
sua pena; só que ninguém me força a
escrevê-los; e este trabalho voluntário é um prazer, ou uma felicidade, para
melhor dizer. O pugilista não gosta dos golpes que vêm ao seu encontro, mas
gosta daqueles que procura. Não há nada de tão agradável como uma vitória
difícil, quando o combate depende de nós. No fundo, só se gosta da força. Pelos
monstros que procurava e esmagava, Hércules provava a sua força a si mesmo. Mas
logo que se sentiu enamorado, sentiu a sua própria escravatura e a força do
prazer; todos os homens são assim; e é por isso que o prazer os torna tristes.
O avarento priva-se de muitos prazeres, e dá-se um vivo
prazer, primeiro triunfando sobre os prazeres, e também acumulando força; mas
ele quer devê-la a si mesmo. Aquele que se torna rico por herança é um avarento
triste, se é avaro; porque toda a felicidade é poesia essencialmente, e poesia
quer dizer acção; não se gosta nada dum prazer que vos cai, quer-se tê-lo
feito. A criança troça dos nossos jardins, e faz um belo jardim para si, com
montes de areia e fios de palha. Imaginais um coleccionador que não tivesse
feito a sua colecção?
Creio bem que o que agrada na guerra, é que a fazemos. Há
uma liberdade evidente em cada homem, logo que está armado; e riríamos dum
estado-maior que quisesse forçar os homens a bater-se. Mas logo que eles sentem
a liberdade, entram numa vida nova e ganham-lhe o gosto. Recear a morte, é
sempre preciso, e esperá-la, e enfim sofrê-la. Mas o que vai à frente dela e de
alguma maneira a chama em campo fechado, esse sente-se mais forte do que ela.
Toda a gente sabe bem que é mais fácil aos soldados ir procurá-la do que esperá-la; e ama-se mais
o destino que se faz do que aquele que o tempo traz. Há portanto uma poesia na
guerra que leva até a que não se odeie o inimigo. É esta embriaguês da
liberdade que faz compreender a guerra e todas as paixões. Uma peste é imposta;
uma guerra é como que inventada, à maneira dos jogos. É por isso que me parece
que a prudência não é uma garantia de paz suficiente; é por amor da justiça que
se suporta a paz; e é porque a justiça é difícil de fazer, mais difícil do que
uma ponte ou do que um túnel, é por isso que a paz será; só por isso.
Alain
(Tradução de José Ames)
Sem comentários:
Enviar um comentário