XXXIV
Toda a gente conhece a famosa cena em que todos, à força
de dizerem a Basílio “Você está pálido de fazer medo”, acabam por lhe fazer
crer que está doente. Esta cena vem-me ao espírito todas as vezes que me
encontro no seio duma família estreitamente unida, em que cada um vigia a saúde
dos outros. Infeliz daquele que está um pouco
pálido ou um pouco vermelho; toda a família o interroga com um começo de
ansiedade: ”Dormiste bem?”, “O que é que comeste ontem?”, “Andas a trabalhar de
mais” e outros propósitos reconfortantes. Vêm a seguir as histórias de doenças
“que não se pensou que o eram suficientemente cedo”.
Lamento o homem sensível e um pouco poltrão que é amado,
mimado, protegido, cuidado daquela maneira. As pequenas misérias de cada dia,
cólicas, tosse, espirros, bocejos, nevralgias, serão cedo para ele terríveis
sintomas, dos quais seguirá o progresso, com a ajuda da sua família, e sob o
olhar indiferente do médico, que não vai, está bom de ver, obstinar-se a
sossegar toda essa gente correndo o risco de passar por burro.
Se se tem uma preocupação perde-se o sono. Eis o nosso
doente imaginário, que passa noites a escutar a sua respiração, e os seus dias
a contar as suas noites. Depressa o seu mal está classificado e conhecido por
todos; as conversas moribundas recebem uma vida nova; a saúde deste infeliz tem
uma cotação, como os valores na bolsa; tanto está em alta, tanto está em baixa,
e ele sabe-o ou adivinha. Eis mais um neurasténico.
O remédio? Fugir da sua família. Ir viver para o meio de
indiferentes, que vos perguntarão com um ar distraído: “Como é que tem
passado?” mas que fugirão se responderdes seriamente; de pessoas que não
escutarão as vossas queixas e não pousarão sobre vós esse olhar cheio de terna
solicitude que vos estrangulava o estômago. Nessas condições, se não cairdes
imediatamente no desespero, curar-vos-eis. Moral: não digais nunca a alguém que
tem mau aspecto.
Alain
(Tradução de José Ames)
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