quinta-feira, 8 de março de 2012

SOLICITUDE

XXXIV


Toda a gente conhece a famosa cena em que todos, à força de dizerem a Basílio “Você está pálido de fazer medo”, acabam por lhe fazer crer que está doente. Esta cena vem-me ao espírito todas as vezes que me encontro no seio duma família estreitamente unida, em que cada um vigia a saúde dos outros. Infeliz daquele que  está um pouco pálido ou um pouco vermelho; toda a família o interroga com um começo de ansiedade: ”Dormiste bem?”, “O que é que comeste ontem?”, “Andas a trabalhar de mais” e outros propósitos reconfortantes. Vêm a seguir as histórias de doenças “que não se pensou que o eram suficientemente cedo”.

Lamento o homem sensível e um pouco poltrão que é amado, mimado, protegido, cuidado daquela maneira. As pequenas misérias de cada dia, cólicas, tosse, espirros, bocejos, nevralgias, serão cedo para ele terríveis sintomas, dos quais seguirá o progresso, com a ajuda da sua família, e sob o olhar indiferente do médico, que não vai, está bom de ver, obstinar-se a sossegar toda essa gente correndo o risco de passar por burro.

Se se tem uma preocupação perde-se o sono. Eis o nosso doente imaginário, que passa noites a escutar a sua respiração, e os seus dias a contar as suas noites. Depressa o seu mal está classificado e conhecido por todos; as conversas moribundas recebem uma vida nova; a saúde deste infeliz tem uma cotação, como os valores na bolsa; tanto está em alta, tanto está em baixa, e ele sabe-o ou adivinha. Eis mais um neurasténico.

O remédio? Fugir da sua família. Ir viver para o meio de indiferentes, que vos perguntarão com um ar distraído: “Como é que tem passado?” mas que fugirão se responderdes seriamente; de pessoas que não escutarão as vossas queixas e não pousarão sobre vós esse olhar cheio de terna solicitude que vos estrangulava o estômago. Nessas condições, se não cairdes imediatamente no desespero, curar-vos-eis. Moral: não digais nunca a alguém que tem mau aspecto.

Alain
(Tradução de José Ames)

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