segunda-feira, 26 de março de 2012

HOMENS DE ACÇÃO

XLIII


Um prefeito da polícia é, para o meu gosto, o homem mais feliz. Porquê? Porque age sempre, e sempre em condições novas e imprevisíveis; ora contra o fogo, ora contra a água; ora contra o desabamento, ora contra o esmagamento; também contra a lama, a poeira, as doenças, a pobreza; enfim muitas vezes também contra a cólera, e algumas contra o entusiasmo. Assim,  em cada minuto da sua vida, este homem feliz se encontra em presença dum problema bem determinado, que exige uma acção bem determinada. Logo, nada de regras gerais; nada de papelada; nada de recriminações nem de consolações em forma de relatório administrativo; ele deixa isso a alguns burocratas. Quanto a ele, é percepção e acção. Ora, quando estas duas válvulas, percepção e acção, estão abertas, um rio de vida transporta o coração do homem como uma pluma ligeira.

Está aí o segredo dos jogos. Jogar o bridge, é fazer correr a vida da percepção à acção. Jogar o futebol, ainda melhor. Sobre um dado novo, imprevisível, desenhar prontamente uma acção, e imediatamente, fazê-la, isso preenche a vida humana tanto quanto se pode desejar. Que quereis desejar então? Que quereis temer? O tempo devora o lamento. Perguntamo-nos muitas vezes qual pode ser a vida interior dum ladrão e de um bandido. Creio que ele não tem nenhuma. Sempre à espreita, ou dormindo. Toda a sua força de previsão é como a do batedor, diante dos seus pés e das suas mãos. É por isso que a ideia da punição não lhe ocorre, nem nenhuma outra. Esta máquina cega e surda tem qualquer coisa de atemorizante. Mas em qualquer homem a acção extingue a consciência; esta violência sem respeito ouve-se  no golpe de machado do lenhador; é menos sensível nas diligências do homem de Estado, mas reencontramo-la frequentemente nos efeitos. Espantar-nos-íamos menos de achar o homem duro e insensível como o machado, se notássemos que ele também não se poupa. A força não tem piedade, nem sequer de si mesma.

Porquê a guerra? Porque os homens se afogam então na acção. O seu pensamento é como as lâmpadas nos carros eléctricos que baixam no arranque; digo o seu pensamento reflectido. Donde uma força temível na acção; ela justifica-se à sua maneira, porque extingue a lâmpada interior. Através do que uma chusma de paixões vis se extinguem, todas aquelas que a reflexão alimenta, como melancolia, desgosto da vida, ou então intriga, hipocrisia, rancor, ou então amor romanesco, ou então vício refinado. Mas também se extingue a justiça na corrente da acção. O prefeito da polícia bate-se contra o motim da mesma maneira que se bate contra a água e o fogo. O amotinado apaga também a sua lâmpada. Noite bárbara. Foi por isso que houve torcionários que se metiam nos cantos, e juízes que recebiam confissões. Foi por isso que houve forçados presos aos bancos, e que ali agonizavam e morriam, acompanhando o movimento dos remos; e outros homens que chicoteavam. Os que chicoteavam só pensavam no seu chicote. Qualquer estado de barbárie durará se se estabelecer. Um prefeito da polícia é o homem mais feliz; não diria que é o mais útil dos homens. A ociosidade é a mãe de todos os vícios, mas de todas as virtudes também.


Alain
(Tradução de José Ames)

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