quinta-feira, 31 de maio de 2012

CORTESIA

LXXXII



A cortesia aprende-se como a dança. Aquele que não sabe dançar crê que o difícil é conhecer as regras da dança e de a elas conformar os movimentos; mas isso é só o exterior da coisa; é preciso chegar a dançar sem rigidez, sem perturbação, e por conseguinte sem medo. Da mesma maneira, é pouca coisa conhecer as regras da cortesia; e, mesmo se nos conformamos a elas, encontramo-nos ainda  no limiar da cortesia. É preciso que os movimentos sejam precisos, flexíveis, sem rigidez nem tremor; porque o menor tremor se comunica. E o que é uma cortesia que inquieta?

Notei muitas vezes um som de voz que é por si só descortês; um professor de canto diria que a garganta está apertada e que os ombros não estão distendidos o bastante. A própria atitude dos ombros torna descortês um acto cortês. Demasiada paixão; segurança esforçada; força acumulada. Os professores de armas dizem sempre: “Demasiada força”; e a esgrima é uma espécie de cortesia, que facilmente conduz a toda a cortesia. Tudo o que parece brutal e arrebatado é descortês; os sinais bastam; a ameaça basta. Podia-se dizer que a descortesia é sempre uma espécie de ameaça. A graça feminina encolhe-se então e procura protecção. Um homem que treme, pela sua força mal disciplinada, que dirá  se se anima e se arrebata? É por isso que nunca se deve falar alto. Quem via Jaurès num salão via um homem pouco preocupado com a opinião e os usos, e frequentemente mal engravatado; mas a voz era toda uma cortesia, por uma doçura cantante onde a orelha não descobria força nenhuma; coisa miraculosa, porque toda a gente se recordava desta dialéctica metálica e deste rugido, voz do povo leão. A força não é contrária à cortesia; ela ornamenta-a; é poder sobre poder.

Um homem descortês é ainda descortês quando está só; demasiada força no menor movimento. Sente-se a paixão atada e este medo de si que é timidez. Lembro-me de ter ouvido um homem tímido que discutia publicamente de gramática; o seu tom era o do ódio mais vivo. E, como as paixões se ganham bem mais depressa do que as doenças, nunca me admira encontrar o furor nas opiniões mais inocentes; é apenas muitas vezes uma espécie de terror que cresce pelo som da própria voz, e por vãos esforços contra si mesmo. E pode ser que o fanatismo seja primeiro descortesia; porque o que se exprime, mesmo sem o querer, é bem preciso que no fim se sinta. Assim o fanatismo seria um fruto da timidez; um medo de não defender o bastante aquilo em que se crê; enfim, como o medo nunca se suporta, um furor contra si e contra todos, que comunica uma força temível às opiniões mais incertas. Observai os tímidos, e como eles tomam partido, conhecereis que a convulsão é um estranho método de pensar. Por este desvio se compreende como uma taça de chá em que a mão pega civiliza um homem. O professor de armas julgava um atirador pela maneira de rodar uma colher numa chávena de café, sem fazer um movimento a mais.


Alain
(tradução de José Ames)

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