segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

BUCÉFALO

I

 
Quando uma criança chora e não quer ser consolada, a ama muitas vezes faz engenhosas suposições sobre este jovem carácter e o que lhe agrada ou desagrada; apelando até para a hereditariedade, reconhece já o pai no filho; estas tentativas de psicologia prolongam-se até ao momento em que a ama descobre o alfinete, causa real de tudo.

Quando Bucéfalo, cavalo ilustre, foi presente ao jovem Alexandre, nenhum escudeiro podia manter-se em cima deste temível animal. A propósito do que um homem vulgar teria dito: “Eis um cavalo mau.” Alexandre, no entanto, procurava o alfinete, e encontrou-o depressa, notando que Bucéfalo temia terrivelmente a sua própria sombra; e como o medo fazia também saltar a sombra, isso não tinha fim. Mas ele virou o focinho de Bucéfalo para o sol, e, mantendo-o nesta direcção, pôde sossegá-lo e fatigá-lo. Assim, o aluno de Aristóteles sabia já que não temos qualquer poder sobre as paixões enquanto não lhe conhecermos as verdadeiras causas.

Muitos homens refutaram o medo, e por fortes razões; mas aquele que tem medo não escuta nenhuma razão; antes escuta as batidas do seu coração e as vagas do sangue. O pedante raciocina do perigo para o medo; o homem apaixonado raciocina do medo para o perigo; ambos pretendem ser razoáveis, e ambos se enganam; mas o pedante engana-se duas vezes, porque ignora a verdadeira causa e não compreende o erro do outro. Um homem que tem medo inventa qualquer perigo, a fim de explicar este medo real e amplamente constatado. Ora a menor surpresa faz medo, sem nenhum perigo, por exemplo, um tiro de pistola muito perto, e que não se espera ou até a presença de alguém com que não se conta. Masséna teve medo duma estátua numa escada mal iluminada, e fugiu a sete pés.

A impaciência dum homem e o seu humor vêm-lhe muitas vezes de estar demasiado tempo de pé; não discorrais contra o seu humor, mas oferecei-lhe um assento. Talleyrand, dizendo que as maneiras são tudo, disse mais do que o que pretendia dizer. Pela preocupação de não incomodar, ele procurava o alfinete e acabava por encontrá-lo. Todos estes diplomatas presentemente têm algum alfinete mal colocado na sua camisola, donde as complicações europeias; e cada um sabe que uma criança que grita faz gritar as outras; pior do que isso, grita-se porque se grita. As amas, num gesto que é todo saber da profissão, colocam a criança sobre o ventre; são logo outros movimentos e um outro regime; eis uma arte de persuadir que não visa muito alto. Os males do ano catorze vieram, ao que creio, de que os homens importantes foram todos surpreendidos; donde tiveram medo. Quando um homem tem medo, a cólera não está longe; a irritação segue a excitação. Não é uma circunstância favorável quando um homem é bruscamente arrancado do seu lazer e do seu repouso; altera-se muitas vezes e de mais. Como um homem despertado de repente; acorda de mais. Mas nunca digais que os homens são maus; não digais nunca que têm um tal carácter. Procurai o alfinete.

Alain
(Tradução de José Ames)
8 de Dezembro de 1922

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