terça-feira, 17 de janeiro de 2012

IRRITAÇÃO

II


 
Quando se engole de través, produz-se um grande tumulto no corpo, como se um perigo iminente fosse anunciado a todas as partes; cada músculo puxa à sua maneira, o coração intromete-se; é uma espécie de convulsão. Que fazer? Poderemos nós não seguir nem sofrer todas estas reacções? Eis o que dirá o filósofo, por que é um homem sem experiência. Mas um professor de ginástica ou de esgrima riria bem se o aluno lhe dissesse: “ é mais forte do que eu;  não posso impedir-me de ficar rígido e de forçar todos os músculos ao mesmo tempo.” Eu conheci um homem duro, que depois de perguntar se lho permitiam, vos fustigava vivamente  com o seu florete, a fim de abrir o caminho à razão. É um facto sobejamente conhecido este; os músculos seguem naturalmente o pensamento como cães dóceis; penso em estender o braço e logo o estendo. A causa principal  destas crispações ou sedições nas quais pensava há pouco, é justamente que não se sabe o que é preciso fazer. E, no nosso exemplo, o que é preciso fazer, é justamente  relaxar todo o corpo, e nomeadamente, em vez de aspirar com força, o que agrava a desordem, expulsar, pelo contrário, a pequena parcela de líquido que se introduziu na má via. Isso não é mais do que, por outras palavras,  expulsar o medo, que, nesse caso, como nos outros, é inteiramente prejudicial.

Quanto à tosse, numa constipação, existe uma disciplina do mesmo género, muito pouco praticada. A maior parte das pessoas tossem como se coçam, com uma espécie de furor de que são as vítimas. Daí as crises que fatigam e irritam. Contra o que, os médicos descobriram as pastilhas, cuja acção principal, creio bem, é de nos dar de que engolir. Engolir é uma poderosa reacção, menos voluntária ainda do que a tosse, ainda  mais abaixo do nosso alcance. Esta convulsão de engolir torna impossível essa outra convulsão que nos faz tossir. É ainda virar o bebé. Mas eu creio que se se parasse no primeiro momento o que há de tragédia na tosse, passaríamos sem pastilhas. Se, sem qualquer opinião, ficássemos  soltos e imperturbáveis no começo, a primeira irritação passaria depressa.

Esta palavra, irritação, deve fazer reflectir. Pela sabedoria da linguagem,  convém também para designar a mais violenta das paixões. E não vejo muita diferença entre um homem que se abandona à cólera e um homem que se entrega a um ataque de tosse. Da mesma maneira o medo é uma angústia do corpo contra a qual nem sempre se sabe lutar pela ginástica. A falta, em todos este casos, é pôr o pensamento ao serviço das paixões, e de nos lançarmos no medo e na cólera com uma espécie de entusiasmo feroz. Em suma, agravamos a doença pelas paixões; tal é o destino daqueles que não aprenderam a verdadeira ginástica. E a verdadeira ginástica, como os Gregos a compreenderam, é o império da recta razão sobre os movimentos do corpo. Não sobre todos, bem entendido. Mas trata-se somente de não constranger as reacções naturais pelos movimentos de fúria. E eis, segundo a minha opinião, o que era preciso ensinar às crianças, propondo-lhes sempre como modelo as mais belas estátuas,  verdadeiros objectos do culto humano.

ALAIN
(tradução de José Ames)
                                                       5 de Dezembro de 1912

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