quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

NEURASTENIA

IV


Neste tempo de aguaceiros, o humor dos homens, e o das mulheres também, muda como o céu. Um amigo, muito instruído e bastante razoável, dizia-me ontem: “Não estou contente comigo; logo que não estou ocupado com os meus assuntos ou o bridge, dou voltas na minha cabeça a mil motivos que me fazem passar, com mil nuanças,   da alegria à tristeza e da tristeza à alegria,  mais depressa do que muda o pescoço dos pombos. Esses motivos, como uma carta para escrever ou um eléctrico que se perdeu, ou um sobretudo demasiado pesado, tomam uma importância extraordinária, como o poderiam fazer desgraças reais. Em vão reflicto e  provo a mim mesmo que tudo isso me deve ser indiferente; as minhas razões soam em mim como tambores molhados. E, numa palavra, sinto-me um pouco neurasténico.”

Deixe, digo-lhe eu, as grandes palavras e tente compreender as coisas. O seu estado é o de toda a gente; somente você tem a infelicidade de ser inteligente, de pensar demasiado em si, e de querer compreender por que tanto está alegre como está triste. E irrita-se contra si próprio, porque a sua alegria e a sua tristeza se explicam mal pelos motivos que conhece.

Na realidade, os motivos que se têm para ser feliz ou infeliz não têm peso; tudo depende do nosso corpo e das suas funções, e o mais robusto organismo passa cada dia da tensão à depressão, da depressão à tensão, e muitas vezes, conforme as refeições, as caminhadas, os esforços de atenção, a leitura e o tempo que faz; o seu humor sobe e desce nele, como o barco sobre as vagas. Normalmente, não são mais do que matizes no cinzento; enquanto se está ocupado, não se pensa nisso; mas quando o tempo sobra para pensar nisso e se pensa com aplicação, as pequenas razões acodem em multidão, e você crê que elas são causa quando são efeitos. Um espírito subtil encontra sempre razões suficientes para estar triste se está triste, para estar alegre se está alegre; a mesma razão serve muitas vezes  para dois fins. Pascal, que sofria no seu corpo, amedrontava-se com a infinidade das estrelas; e o frémito augusto que experimentava olhando-as vinha sem dúvida de apanhar frio à sua janela, sem se aperceber. Um outro poeta, se estiver de saúde, falará às estrelas como a amigas. E ambos dirão belas coisas sobre o céu estrelado; belas coisas ao lado da questão.

Spinoza diz que não é possível que o homem não tenha paixões, mas que o sábio forma na sua alma uma tal extensão de pensamentos felizes que as suas paixões são pequenas em comparação. Sem o seguirmos nestes caminhos difíceis, pode-se, no entanto, à sua imagem, construir um grande volume de felicidades devidas ao querer, como música, pintura, conversação, que farão pequenas, por comparação, todas as nossas melancolias. O homem de sociedade esquece o seu fígado com os pequenos deveres; deveríamos corar de vergonha por não tirarmos um melhor partido ainda do nosso sério e útil ofício, nem dos nossos livros, ou dos nossos amigos.  Mas é talvez um erro comum, e de grandes consequências, o de não nos interessarmos segundo uma regra pelas coisas que têm valor. Contamos com elas. É uma grande arte às vezes querer aquilo que estamos certos de desejar.

Alain
(tradução de José Ames)
22 de Fevereiro de 1908

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