domingo, 22 de janeiro de 2012

O FIM DOS ORÁCULOS

VII


Lembro-me dum canhoneiro que lia nas mãos. Era lenhador de seu ofício e formado por essa vida selvagem na interpretação imediata dos sinais; suponho que como qualquer outro feiticeiro se pusesse a observar o oco das mãos; e era ali que ele lia o pensamento, como fazemos todos no olhar e nos vincos do rosto.  No bosque de Clairs-Chênes, à luz duma vela, ele reencontrava o seu templo e a sua majestade, dizendo a respeito dos caracteres coisas muitas vezes justas e sempre comedidas, anunciando também o futuro próximo e o futuro longínquo de cada um, coisas que não fazem nada rir. E tive a ocasião de notar na sequência que uma das suas previsões se achou verificada; no que sem dúvida eu acrescentava alguma coisa à recordação, porque me era agradável reencontrar a predição no acontecimento. Este jogo da imaginação advertiu-me mais uma vez, e confirmou-me na prudência que sempre segui; porque eu não mostrei as linhas da minha mão nem a ele nem a nenhum outro. Toda a força da incredulidade está em que não se quer consultar o oráculo; a partir do momento em que o consultamos, é preciso acreditar um pouco. Assim o fim dos oráculos, que marca a revolução cristã, não é um pequeno acontecimento.

Tales, Bias, Demócrito e os outros velhos famosos dos tempos antigos tinham sem dúvida uma tensão arterial pouco satisfatória  na altura em que começaram a perder o cabelo; mas não sabiam nada disso; não era uma pequena vantagem. Os solitários da Tebaída  estavam ainda melhor colocados; como esperavam a morte em vez de a temer, viviam muito tempo. Se se estudasse fisiologicamente e de muito perto a inquietação e o medo, ver-se-ia que são doenças que se acrescentam às outras e precipitam o seu curso, de tal maneira que aquele que sabe que está doente, e que o sabe antecipadamente segundo o oráculo médico, se encontra duas vezes doente. Bem vejo  que o medo nos leva a combater a doença pelo regime e os remédios; mas que regime e que remédios nos curarão de ter medo?

A vertigem que nos toma nas alturas é uma verdadeira doença, que vem de mimarmos a queda e os movimentos desesperados dum homem que cai. Este mal é todo da imaginação. A cólica do candidato também; assim o medo de responder mal age tão energicamente como o óleo de rícino. Medi depois disso os efeitos dum medo contínuo. Mas para nos tornarmos prudentes em relação à prudência, é preciso chegar a considerar isto, que os movimentos do medo agravam naturalmente o mal. Aquele que tem medo de não dormir está mal disposto para dormir, e o que receia o seu estômago mal disposto para digerir. Era preciso então mimar a saúde em vez da doença. Esta ginástica não é conhecida nos seus detalhes, mas pode-se apostar que os gestos da cortesia e da benevolência se relacionam com a saúde, segundo esta espécie de teorema de acordo com o qual os sinais da saúde não são diferentes dos movimentos conformes à saúde. Os maus médicos seriam então aqueles de que se gosta a ponto de os querer ver interessados nos nossos próprios males; e os bons médicos são aqueles pelo contrário que nos perguntam como é uso:” Como é que vai?” e que não escutam a resposta.



Alain
(Tradução de José Ames)
5 de Março de 1922

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