terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

DISCURSO AOS AMBICIOSOS

XXVIII


Cada um tem aquilo que quer. A juventude engana-se aqui porque só sabe desejar e esperar o maná. Ora, não cai nenhum maná; e todas as coisas desejadas são como a montanha, que espera e que não se pode falhar. Mas é preciso trepar. Todos os ambiciosos que vi partirem dum pé firme, vi-os também alcançar, e mesmo mais depressa do que eu pensava. É verdade que nunca diferiram uma manobra útil, nem deixaram de ver regularmente aqueles de que pensavam servir-se, nem de negligenciar esses inúteis que só sabem ser agradáveis. Enfim, eles adularam quando foi preciso. Não os censuro; é uma questão de gosto. Só que se vos pondes a dizer verdades desagradáveis ao homem que vos pode abrir  os caminhos, não digais que queríeis passar; sonháveis que passáveis, como  sonhamos às vezes que somos pássaros. É como se sonhásseis  em ser ministro sem o aborrecimento das audiências, e sem tratar de nada. Conheci um bom número destes preguiçosos que dizem: “ Eles vêm-me buscar; nem vou mexer um dedo.” É que eles querem no fundo ser deixados em paz, e deixam-nos. Por isso não são tão infelizes como gostariam de crer. Os ingénuos são aqueles que fazem subitamente dez diligências em dois dias, visando de repente uma rica presa, como o milhafre. Não há nada a esperar destas expedições muito mal preparadas. Já vi homens de mérito atacarem assim  cofres-fortes com as unhas. Donde se diz algumas vezes que a sociedade é bem injusta; no que se é bem injusto. A sociedade não dá nada àquele que não pede nada, entenda-se, com constância e continuidade; e isso não está mal, porque os conhecimentos e as aptidões de espírito não são tudo. Alguns entenderiam a política, mas  fazem ver, no entanto, por nada procurarem, que a sujeira do ofício, todos a têm, não é do seu agrado. E que interessa então que tenham ciência e juízo, se não gostam do ofício? Barrès recebia, comentava, recordava-se. Não sei se era próprio para a grande política; mas certamente gostava do ofício.

Volto a dizer que todos aqueles que querem enriquecer o conseguem. Isso escandaliza todos os que sonharam ter dinheiro, e que nunca o tiveram. Olharam a montanha, mas ela esperava-os. O dinheiro, como toda a vantagem, quer primeiro fidelidade. Muitos imaginam que querem ganhar simplesmente porque têm necessidade de ganhar. Mas o dinheiro afasta-se  dos que o procuram somente por necessidade. Os que fizeram fortuna pensaram em ganhar em cada coisa. Mas o que procura um comércio bonito, agradável, como uma amizade, onde se seguiria o gosto e a fantasia, onde se seria fácil e mesmo generoso, esses evaporam-se como a chuva sobre o pavimento quente. É preciso rigor, é preciso coragem; enfim dar provas na dificuldade, como os antigos cavaleiros. O mercúrio não se une tão depressa ao ouro como o lucro ao que faz as contas todos os dias e a todas as horas. Mas o amante frívolo é julgado. Quem quer gastar não ganhará. É justo, porque o que ele quer é gastar e não ganhar. Conheci um amador de agricultura, que semeava por prazer, e de alguma maneira por higiene. Ele só não queria perder; mas este equilíbrio não se encontra nunca. Arruinou-se e muito bem. Há uma avareza dos velhos, e mesmo dos mendigos, que é mania; mas a avareza do comerciante é do próprio ofício. Quando se quer ganhar, tem que se querer também os meios, quer dizer fazer somas de pequenos proveitos. Ou então é trepar sem ver cada passo que se faz; ora nem toda a pedra é boa, e a gravidade não nos larga nunca. Ruína é uma bela palavra; porque a perda está pendurada ao comerciante e puxa-o sempre. Quem não sente em si este outro género de gravidade perde o seu tempo.


Alain
(Tradução de José Ames)

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