quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

ATITUDES

XVI



O mais comum dos homens é um grande artista quando mima os seus males. Se tem o coração apertado, como tão bem se diz, vede-lo estrangular ainda o peito com os  braços, e comprimir todos os  músculos uns contra os outros. Na ausência de qualquer inimigo, ele cerra os dentes, arma o peito e mostra o punho ao céu. E sabei que, mesmo se estes gestos perturbadores não se produzem no exterior, não são menos esboçados no interior do corpo imóvel, donde resultam mais poderosos efeitos ainda. Espantamo-nos às vezes, quando não conseguimos dormir, por os mesmos pensamentos, quase sempre desagradáveis, andarem à volta; é de apostar que  seja a mímica esboçada que os chama. Contra todos os males de ordem moral, e igualmente para as doenças no seu começo, é preciso flexibilidade e ginástica; e creio que quase sempre este remédio bastaria; mas não se pensa nisso.

Os costumes de cortesia são bem poderosos sobre os nossos pensamentos; e não é um pequeno socorro contra o humor e mesmo contra a dor de estômago se se mimar a doçura, a benevolência e a alegria; estes movimentos, que são as vénias e os sorrisos, têm de bom impossibilitarem os movimentos opostos, de furor, de desconfiança, de tristeza. Eis por que a vida de sociedade, as visitas, as cerimónias e as festas são sempre amadas; é uma ocasião de mimar a felicidade; e este género de comédia liberta-nos certamente da tragédia; não é pouco.

A atitude religiosa é útil de ser considerada pelo médico; porque este corpo ajoelhado, encolhido e solto liberta os órgãos, e torna as funções vitais mais fáceis. “Baixa a cabeça, orgulhoso Sicambro”; não  lhe é pedido que se cure da cólera e do orgulho mas primeiro para se calar, repousar os olhos, e se dispor segundo a doçura; por este meio todo a violência do carácter é apagada; não passado muito tempo, nem para sempre, porque isso ultrapassa o nosso poder, mas logo e por um momento. Os milagres da religião não são milagres.

É belo de ver como um homem expulsa uma ideia importuna; vede-lo encolher os ombros e sacudir o peito, como se desembaraçasse os músculos; vede-lo virar a cabeça, para ter outras percepções e outras fantasias; lançar para longe as  preocupações num gesto livre, e fazer estalar os dedos, o que é o começo duma dança. Se a harpa de David o toma nesse momento, regulando e temperando esses gestos a fim de afastar todo o furor e toda a impaciência, o melancólico acha-se imediatamente curado.

Gosto do gesto da perplexidade; o homem coça o cabelo atrás da orelha; ora, esta astúcia tem por efeito desviar e divertir um dos gestos mais temíveis, o que vai lançar a pedra ou o dardo. Aqui a mímica que liberta está muito próxima do gesto que arrebata. O rosário é uma invenção admirável que ocupa o pensamento e os dedos ao mesmo tempo a contar. Mas o segredo do sábio é ainda mais belo, segundo o qual a vontade nada pode sobre as paixões, mas pode dirigir os movimentos. É mais fácil pegar num violino e tocar, do que procurar uma razão.


Alain
(Tradução de José Ames)

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