quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

PREDIÇÕES

XXV


Conheço alguém que mostrou as linhas da  mão a um mágico, a fim de conhecer o seu destino; fê-lo por brincadeira, ao que me disse, e sem nisso crer. Eu tê-lo-ia, no entanto, dissuadido, se me tivesse pedido conselho, porque é um jogo perigoso. É muito fácil não crer, quando ainda nada foi dito. Nesse momento, não há nada ainda para crer, e nenhum homem acredita talvez. A incredulidade é fácil para começar, mas torna-se bem depressa difícil e os magos sabem-no bem. “Se você não crê, dizem eles, o que receia?” Assim se monta a sua armadilha. Quanto a mim, receio acreditar; porque o que é que eu sei do que ele me vai dizer?

Suponho que o mago acredite nele mesmo; porque se o mago simplesmente quer rir, anunciará os acontecimentos ordinários e previsíveis, em fórmulas ambíguas: “Vai ter aborrecimentos e alguns contratempos, mas no fim terá êxito; tem inimigos, mas far-lhe-ão justiça algum dia, e entretanto, a constância dos seus amigos o consolará. Vai receber em breve uma carta, relacionada com as preocupações que neste momento tem… etc.” Pode-se continuar por muito tempo assim, e isso não faz mal a ninguém.

Mas se o mago é, aos seus próprios olhos, um verdadeiro mágico, então é bem capaz de vos anunciar males terríveis; e vós, o espírito forte, rireis. Não é menos verdade que as suas palavras ficarão na vossa memória, que voltarão de improviso nas vossas fantasias e nos vossos sonhos, perturbando-vos apenas um pouco, até ao dia em que os acontecimentos se parecerem ajustar-se a elas.

Conheci uma rapariga a quem um mago disse um dia, depois de ter analisado as linhas da sua mão: “Você vai casar-se; terá um filho; vai perdê-lo.” Uma tal predição é uma bagagem ligeira de transportar enquanto se percorrem as primeiras etapas. Mas o tempo passou; a rapariga casou-se; teve recentemente um bebé; a predição é já mais pesada de carregar. Se acontece o pequeno ficar doente, as palavras funestas soarão como sinos nas orelhas da mãe. Talvez tenha troçado outrora do mago. O mago estará bem vingado.

Ocorrem toda a espécie de acontecimentos no mundo; daí encontros que abalarão o juízo mais firme. Rireis duma predição sinistra e inverosímil; rireis menos se esta predição se cumprir em parte; o mais corajoso dos homens esperará então a sequência; e os nossos receios, como se sabe, não nos fazem sofrer  menos do que as próprias catástrofes. Pode acontecer que dois profetas, sem se conhecerem, vos anunciam a mesma coisa. Se este acordo não vos perturba mais do que a vossa inteligência o permite, eu admiro-vos.

Pela minha parte, gosto muito mais de não pensar no futuro, e só prever adiante dos meus pés. Não somente não irei mostrar ao mágico o interior da minha mão, mas, mais ainda, não tentarei ler o futuro na  natureza das coisas; porque não creio que o nosso olhar alcance muito longe, por muito sábios que possamos ser. Já observei que tudo o que acontece de importante a qualquer pessoa era imprevisto e imprevisível. Quando nos curamos da curiosidade, falta sem dúvida curarmo-nos também da prudência.


Alain
(Tradução de José Ames)

Sem comentários:

Enviar um comentário