XXV
Conheço alguém que mostrou as linhas da mão a um mágico, a fim de conhecer o seu
destino; fê-lo por brincadeira, ao que me disse, e sem nisso crer. Eu tê-lo-ia,
no entanto, dissuadido, se me tivesse pedido conselho, porque é um jogo
perigoso. É muito fácil não crer, quando ainda nada foi dito. Nesse momento,
não há nada ainda para crer, e nenhum homem acredita talvez. A incredulidade é
fácil para começar, mas torna-se bem depressa difícil e os magos sabem-no bem.
“Se você não crê, dizem eles, o que receia?” Assim se monta a sua armadilha.
Quanto a mim, receio acreditar; porque o que é que eu sei do que ele me vai
dizer?
Suponho que o mago acredite nele mesmo; porque se o mago
simplesmente quer rir, anunciará os acontecimentos ordinários e previsíveis, em
fórmulas ambíguas: “Vai ter aborrecimentos e alguns contratempos, mas no fim
terá êxito; tem inimigos, mas far-lhe-ão justiça algum dia, e entretanto, a
constância dos seus amigos o consolará. Vai receber em breve uma carta,
relacionada com as preocupações que neste momento tem… etc.” Pode-se continuar
por muito tempo assim, e isso não faz mal a ninguém.
Mas se o mago é, aos seus próprios olhos, um verdadeiro
mágico, então é bem capaz de vos anunciar males terríveis; e vós, o espírito
forte, rireis. Não é menos verdade que as suas palavras ficarão na vossa
memória, que voltarão de improviso nas vossas fantasias e nos vossos sonhos,
perturbando-vos apenas um pouco, até ao dia em que os acontecimentos se
parecerem ajustar-se a elas.
Conheci uma rapariga a quem um mago disse um dia, depois
de ter analisado as linhas da sua mão: “Você vai casar-se; terá um filho; vai
perdê-lo.” Uma tal predição é uma bagagem ligeira de transportar enquanto se
percorrem as primeiras etapas. Mas o tempo passou; a rapariga casou-se; teve
recentemente um bebé; a predição é já mais pesada de carregar. Se acontece o
pequeno ficar doente, as palavras funestas soarão como sinos nas orelhas da
mãe. Talvez tenha troçado outrora do mago. O mago estará bem vingado.
Ocorrem toda a espécie de acontecimentos no mundo; daí
encontros que abalarão o juízo mais firme. Rireis duma predição sinistra e
inverosímil; rireis menos se esta predição se cumprir em parte; o mais corajoso
dos homens esperará então a sequência; e os nossos receios, como se sabe, não
nos fazem sofrer menos do que as
próprias catástrofes. Pode acontecer que dois profetas, sem se conhecerem, vos
anunciam a mesma coisa. Se este acordo não vos perturba mais do que a vossa
inteligência o permite, eu admiro-vos.
Pela minha parte, gosto muito mais de não pensar no
futuro, e só prever adiante dos meus pés. Não somente não irei mostrar ao
mágico o interior da minha mão, mas, mais ainda, não tentarei ler o futuro
na natureza das coisas; porque não creio
que o nosso olhar alcance muito longe, por muito sábios que possamos ser. Já
observei que tudo o que acontece de importante a qualquer pessoa era imprevisto
e imprevisível. Quando nos curamos da curiosidade, falta sem dúvida curarmo-nos
também da prudência.
Alain
(Tradução de José Ames)
Sem comentários:
Enviar um comentário