quinta-feira, 12 de abril de 2012

A DANÇA DOS PUNHAIS

LIII



Cada um conhece a força de alma dos estóicos. Eles reflectiam sobre as paixões, ódio, ciúme, medo, desespero e chegavam assim a mantê-las sob a rédea, como um bom cocheiro aos seus cavalos.

Um dos seus raciocínios que sempre me agradou e que me foi útil mais do que uma vez, é aquele que fazem sobre o passado e o futuro. “Nós só temos, dizem eles, que suportar o presente. Nem o passado, nem o futuro nos podem esmagar, pois que um já não existe e  o outro não existe ainda.”

É no entanto verdade. O passado e o futuro não existem senão quando neles pensamos; são opiniões, não factos. Muito nos esforçamos para  fabricar as nossas mágoas e os nossos receios. Vi um equilibrista que ajustava uma quantidade de punhais uns sobre os outros; isso dava uma espécie de árvore temível que ele mantinha em equilíbrio sobre a sua fronte. É assim que ajustamos e trazemos as nossas mágoas e os nossos receios como artistas imprudentes. Em vez de trazer um minuto, trazemos uma hora; em vez de trazer uma hora, trazemos um dia, dez dias, meses, anos. Um, a quem dói a perna, pensa que sofria ontem, que sofreu já de outras vezes, que sofrerá amanhã; geme pela sua vida inteira. É evidente aqui que a sabedoria não pode muito; porque não se pode de qualquer modo suprimir a dor presente. Mas se se trata duma dor moral, o que ficará se nos curarmos de lamentar e de prever?

Este amoroso mal tratado, que se contorce no leito em vez de dormir, e que medita vinganças corsas, que ficaria do seu desgosto se não pensasse no passado, nem no futuro? Este ambicioso, roído no coração por um fracasso, onde vai ele buscar a sua dor, senão a um passado que ressuscita e a um futuro que inventa? Cremos ver o Sísifo da lenda que levanta uma rocha e assim renova o seu suplício.

Eu diria a todos aqueles que assim se torturam: pensa no presente; pensa na tua vida que continua de minuto a minuto; cada minuto vem a seguir a outro; é pois possível viver como tu vives. Mas o futuro aterroriza-me, dizes tu. Falas daquilo que ignoras. Os acontecimentos nunca são aqueles que esperávamos; e quanto à pena presente, justamente porque é muito viva, podes estar certo de que vai diminuir. Tudo muda, tudo passa. Esta máxima entristeceu-nos demasiadas vezes já; se alguma vez nos consolar, é o mínimo.


Alain
(Tradução de José Ames)

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