LIII
Cada um conhece a força de alma dos estóicos. Eles
reflectiam sobre as paixões, ódio, ciúme, medo, desespero e chegavam assim a
mantê-las sob a rédea, como um bom cocheiro aos seus cavalos.
Um dos seus raciocínios que sempre me agradou e que me foi
útil mais do que uma vez, é aquele que fazem sobre o passado e o futuro. “Nós
só temos, dizem eles, que suportar o presente. Nem o passado, nem o futuro nos
podem esmagar, pois que um já não existe e
o outro não existe ainda.”
É no entanto verdade. O passado e o futuro não existem
senão quando neles pensamos; são opiniões, não factos. Muito nos esforçamos
para fabricar as nossas mágoas e os
nossos receios. Vi um equilibrista que ajustava uma quantidade de punhais uns
sobre os outros; isso dava uma espécie de árvore temível que ele mantinha em
equilíbrio sobre a sua fronte. É assim que ajustamos e trazemos as nossas
mágoas e os nossos receios como artistas imprudentes. Em vez de trazer um
minuto, trazemos uma hora; em vez de trazer uma hora, trazemos um dia, dez
dias, meses, anos. Um, a quem dói a perna, pensa que sofria ontem, que sofreu
já de outras vezes, que sofrerá amanhã; geme pela sua vida inteira. É evidente
aqui que a sabedoria não pode muito; porque não se pode de qualquer modo suprimir
a dor presente. Mas se se trata duma dor moral, o que ficará se nos curarmos de
lamentar e de prever?
Este amoroso mal tratado, que se contorce no leito em vez
de dormir, e que medita vinganças corsas, que ficaria do seu desgosto se não
pensasse no passado, nem no futuro? Este ambicioso, roído no coração por um
fracasso, onde vai ele buscar a sua dor, senão a um passado que ressuscita e a
um futuro que inventa? Cremos ver o Sísifo da lenda que levanta uma rocha e
assim renova o seu suplício.
Eu diria a todos aqueles que assim se torturam: pensa no
presente; pensa na tua vida que continua de minuto a minuto; cada minuto vem a
seguir a outro; é pois possível viver como tu vives. Mas o futuro
aterroriza-me, dizes tu. Falas daquilo que ignoras. Os acontecimentos nunca são
aqueles que esperávamos; e quanto à pena presente, justamente porque é muito
viva, podes estar certo de que vai diminuir. Tudo muda, tudo passa. Esta máxima
entristeceu-nos demasiadas vezes já; se alguma vez nos consolar, é o mínimo.
Alain
(Tradução de José Ames)
Sem comentários:
Enviar um comentário