segunda-feira, 23 de abril de 2012

DA PIEDADE

LVIII


Há uma bondade que ensombra a vida, uma bondade que é tristeza, que se chama comummente piedade, e que é um dos flagelos humanos. É preciso ver como uma mulher sensível fala a um homem emagrecido e que passa por tuberculoso. O olhar húmido, o som da voz, as coisas que se lhe diz, tudo condena claramente o pobre homem. Mas ele não se irrita nada; suporta a piedade de outrem como suporta a sua doença. Foi sempre assim. Cada um vem-lhe derramar um pouco mais de tristeza; cada um vem-lhe cantar o mesmo refrão: "É de partir o coração, vê-lo num estado desses.”

Há pessoas um pouco mais razoáveis e medem melhor as palavras. São então discursos tónicos: “Tenha coragem; o bom tempo vai voltar a pô-lo de pé.” Mas o ar não vai de todo com as palavras. É sempre uma queixa de fazer chorar. Quando não fosse mais do que uma nuança, o doente detectá-la-á; um olhar surpreendido dir-lhe-á mais do que todas as palavras.

Como fazer então? Eis como. Era preciso não estar triste; era preciso esperar; só damos às pessoas a esperança que temos. Era preciso contar com a natureza, ver o futuro sob belas cores, e crer que a vida vai triunfar. É mais fácil do que se crê, porque é natural. Todo o vivo crê que a vida triunfará, sem isso morreria imediatamente. Essa força de vida far-vos-á depressa esquecer o pobre homem; pois bem, é essa força que era preciso dar-lhe. Realmente, era preciso não ter piedade de mais por ele. Não ser duro e insensível. Mas dar a ver uma amizade alegre. Ninguém gosta de inspirar a piedade; e se um doente vê que não extingue a alegria dum homem bom, ei-lo aliviado e reconfortado. A confiança é um elixir maravilhoso.

Estamos envenenados de religião. Estamos habituados a ver padres que se põem a espiar a fraqueza e o sofrimento humanos, a fim de acabar os moribundos com um sermão que fará reflectir os outros. Detesto esta eloquência de cangalheiro. É preciso pregar sobre a vida, não sobre a morte; espalhar a esperança, não o medo; e cultivar em comum a alegria, verdadeiro tesouro humano.

É o segredo dos grandes sábios, e será a luz de amanhã. As paixões são tristes. O ódio é triste. A alegria matará as paixões e o ódio. Mas comecemos por nos dizer a nós mesmos que a tristeza não é nunca tão nobre, nem bela, nem útil.


Alain
(Tradução de José Ames)

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