LVIII
Há uma bondade que ensombra a vida, uma bondade que é
tristeza, que se chama comummente piedade, e que é um dos flagelos humanos. É
preciso ver como uma mulher sensível fala a um homem emagrecido e que passa por
tuberculoso. O olhar húmido, o som da voz, as coisas que se lhe diz, tudo
condena claramente o pobre homem. Mas ele não se irrita nada; suporta a piedade
de outrem como suporta a sua doença. Foi sempre assim. Cada um vem-lhe derramar
um pouco mais de tristeza; cada um vem-lhe cantar o mesmo refrão: "É de partir
o coração, vê-lo num estado desses.”
Há pessoas um pouco mais razoáveis e medem melhor as
palavras. São então discursos tónicos: “Tenha coragem; o bom tempo vai voltar
a pô-lo de pé.” Mas o ar não vai de todo com as palavras. É sempre uma queixa
de fazer chorar. Quando não fosse mais do que uma nuança, o doente
detectá-la-á; um olhar surpreendido dir-lhe-á mais do que todas as palavras.
Como fazer então? Eis como. Era preciso não estar triste;
era preciso esperar; só damos às pessoas a esperança que temos. Era preciso
contar com a natureza, ver o futuro sob belas cores, e crer que a vida vai
triunfar. É mais fácil do que se crê, porque é natural. Todo o vivo crê que a
vida triunfará, sem isso morreria imediatamente. Essa força de vida far-vos-á
depressa esquecer o pobre homem; pois bem, é essa força que era preciso
dar-lhe. Realmente, era preciso não ter piedade de mais por ele. Não ser duro e
insensível. Mas dar a ver uma amizade alegre. Ninguém gosta de inspirar a
piedade; e se um doente vê que não extingue a alegria dum homem bom, ei-lo
aliviado e reconfortado. A confiança é um elixir maravilhoso.
Estamos envenenados de religião. Estamos habituados a ver
padres que se põem a espiar a fraqueza e o sofrimento humanos, a fim de acabar
os moribundos com um sermão que fará reflectir os outros. Detesto esta
eloquência de cangalheiro. É preciso pregar sobre a vida, não sobre a morte;
espalhar a esperança, não o medo; e cultivar em comum a alegria, verdadeiro
tesouro humano.
É o segredo dos grandes sábios, e será a luz de amanhã. As
paixões são tristes. O ódio é triste. A alegria matará as paixões e o ódio. Mas
comecemos por nos dizer a nós mesmos que a tristeza não é nunca tão nobre, nem
bela, nem útil.
Alain
(Tradução de José Ames)
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