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Uma obra começada fala bem mais alto do que os motivos. Há
motivos para cooperar, e muito fortes; podem-se esclarecer e virar dum lado e
do outro no espírito durante toda uma vida e não cooperar. Mas a cooperativa em
crescimento chama o fundador; e as pedras de espera, em toda a obra, são
suficientes razões para continuar. Feliz, pois, quem vê no trabalho da véspera
as marcas da sua própria vontade.
Diz-se que os homens visam sempre algum bem; mas eu
vejo-os preguiçosos diante dum fim razoável. A sua imaginação não tem tanta
força que os possa fazer interessar por uma obra que não é nada ainda no mundo.
É por isso que há tantas obras à nossa frente que julgamos boas e que nunca
fazemos. A imaginação ilude-nos de mais de uma maneira, mas principalmente
porque a cremos anunciadora por esta agitação presente que ela nos faz sentir;
mas este estéril movimento termina por ele mesmo; a agitação é sempre no
presente e os projectos são sempre no futuro. Donde esta frase do preguiçoso:
“Hei-de fazer”; mas a palavra do homem é antes: “Faço”; porque é a acção que
está grávida do futuro, futuro imprevisível, e também das obras; porque o
futuro que a obra nos descobre nunca é aquele que pensávamos, e é sempre mais
belo; mas nisso ninguém pode acreditar; e os sonhadores continuam a repetir que
os seus projectos são muito mais belos do que as obras dos outros.
Olhai no entanto esses homens ocupados e felizes; todos
correm para a obra começada, seja uma mercearia em crescimento, ou uma colecção
de selos; cada um sabe que não há nenhuma obra frívola desde que tenha
começado. Vejo-os cansados de imaginar, e ávidos de sentir as suas pedras de
espera. Um bordado nos seus primeiros pontos não agrada nada; mas à medida que
avança age sobre o nosso desejo com uma força acelerada; é por isso que a fé é
a primeira virtude, e a esperança só a segunda; porque é preciso começar sem
nenhuma esperança, e a esperança vem do crescimento e do progresso. Os
projectos reais só crescem na obra. Não creio de modo nenhum que Miguel Ângelo
se tenha posto a pintar porque tinha todas as figuras na cabeça; porque ele só
diz, diante da necessidade, estas palavras: "Mas não é o meu ofício.” Só que ele
se pôs a pintar, e as figuras apareceram; e isso é que é pintar, quero dizer
descobrir aquilo que se faz.
Diz-se bem que a felicidade nos escapa como uma sombra; e
é verdade que a felicidade imaginada nunca a temos. A felicidade de fazer não é
nada imaginada nem imaginável; é sempre e só substancial; não podemos formar a
imagem. E, como sabem os escritores, não há belo tema; diria mesmo mais, diria
que é preciso desconfiar do belo tema, mas imediatamente se aproximar e
aplicar-se, a fim de reduzir o fantasma, o que é depor a esperança e dar-se a
fé. Desfazer para refazer. E é sem dúvida por onde se pode compreender as
espantosas diferenças que sempre há entre o romance e a aventura verdadeira que
foi dele a ocasião. Pintor, não te distraias com o sorriso do modelo.
Alain
(Tradução de José Ames)
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