quinta-feira, 5 de abril de 2012

TRABALHOS

XLXIX


Em “Recordações da Casa dos Mortos”, Dostoiewski faz-nos ver forçados ao natural, todas as hipocrisias do luxo, se assim se pode dizer, são retiradas; e embora lhe fiquem ainda algumas hipocrisias de necessidade, o fundo do ser humano aparece algumas vezes.

Os forçados trabalham; e muitas vezes os seus trabalhos são bastante inúteis; por exemplo, demolem um velho barco para fazer lenha, numa terra, em que a madeira não custa quase nada. Eles sabem-no bem; por isso, enquanto trabalham ao longo de todo o dia, sem qualquer esperança, são preguiçosos, tristes e desajeitados. Mas se se lhes dá uma tarefa para o dia, tarefa pesada e difícil, ei-los logo hábeis, engenhosos e alegres. São-no ainda mais  logo que se trata dum trabalho realmente útil, como limpar a neve. Mas é preciso ler estas páginas espantosas onde se encontra uma descrição verdadeira e sem comentário. Aí se vê como o trabalho útil é por ele mesmo um prazer; por ele mesmo e não pelas vantagens  que dele se podem  retirar. Por exemplo, eles fazem viva e alegremente um trabalho determinado, após o qual se repousarão; esta ideia, de que vão ganhar talvez uma meia hora no fim da jornada, põe-nos em movimento e todos de acordo para fazer depressa; Mas uma vez este problema posto, é o próprio problema que lhes agrada; e o prazer de inventar, de realizar, de querer e depois  fazer, importa-lhes muito mais do que o prazer que se prometem desta meia hora, que será sempre uma meia hora de prisão. E imagino que, se ela é passável, será ainda pela recordação ainda quente deste trabalho tão vivamente conduzido. O maior prazer humano está sem dúvida  num trabalho difícil e livre feito em cooperação, como o mostram os jogos.

Há pedagogos que tornariam as crianças preguiçosas para toda a vida, só porque querem que todo o tempo seja ocupado; a criança então habitua-se a trabalhar lentamente, quer dizer, a trabalhar mal; o resultado é uma espécie de fadiga acabrunhante, continuamente misturada ao trabalho; em vez do que, se separardes o trabalho e a fadiga, ambos são agradáveis. Os trabalhos lânguidos  parecem-se com esses passeios que se fazem só para andar e apanhar ar. Está-se fatigado todo o tempo do passeio; já não se está quando se volta, enquanto que no trabalho  mais penoso nos sentimos infatigáveis e ligeiros; a seguir goza-se uma distensão perfeita e enfim um bom sono.


Alain
(Tradução de José Ames)

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