quarta-feira, 18 de abril de 2012

JEREMIADAS

LV


Aquilo que eu vos desejo para este ano que recomeça, quero dizer para o tempo que leva ao sol para subir ao seu mais alto ponto e descer em seguida até ao mais baixo, o que eu vos desejo, é de não dizerdes nem pensardes que tudo vai de mal a pior. “Esta sede do ouro, este ardor no prazer, este esquecimento dos deveres, esta insolência da juventude, estes roubos e estes crimes inauditos, esta impudência das paixões, esta estações loucas enfim, que nos trazem quase noites quentes no coração do Inverno”, eis um refrão velho como o mundo dos homens; ele significa simplesmente isto: "Já não tenho o estômago nem a alegria dos meus vinte anos.”

Ainda se fosse só uma maneira de dizer aquilo que se sente, suportaríamos este discurso, como se suporta a tristeza dos que estão doentes. Mas os discursos têm por si mesmos uma força desmesurada; enchem a tristeza, aumentam-na, recobrem com ela todas as coisas, como um manto, e assim o efeito se torna causa, como se vê que uma criança pode muito bem ter medo do seu pequeno camarada que ele próprio disfarçou em leão ou em urso.

É bastante claro que se um homem, pela natural tristeza, ornamenta a sua casa como um cadafalso, será apenas mais triste, todas as coisas lhe lembrando asperamente o seu desgosto. O mesmo jogo para as nossas ideias; se pelo humor chegamos a pintar-nos os homens em negro e os negócios públicos em decomposição, porque a borradela por sua vez nos lança no desespero; e o homem mais inteligente é muitas vezes aquele que se ilude melhor a si mesmo, porque as suas declamações têm uma sequência e um ar de razão.

O pior é que esta doença se pega; é como uma cólera dos espíritos. Conheço pessoas em presença de quem não se pode dizer que os funcionários são, no conjunto,  mais honestos e mais diligentes do que outrora. Os que seguem as suas paixões têm uma eloquência tão natural, uma sinceridade tão tocante que é deles a galeria; e o que quer ser justo desempenha então o papel dum ingénuo ou dum brincalhão de mau gosto. Assim a jeremiada se estabelece como um dogma e faz em breve parte da cortesia.

Ontem, um operário de tapeçaria, a fim de manter uma conversa preliminar, dizia muito ingenuamente: “As estações estão perdidas. Quem ia dizer que estamos no Inverno? E é como o verão; já não se sabe o que é.” Dizia isto depois dos duros calores deste ano que sentiu no entanto como os outros. Mas o lugar comum é mais forte do que os factos. E desconfiai de vós mesmos, vós que rides do meu tapeceiro; porque nem todos os factos são tão claros nem tão presentes na memória como o belo verão de 1911.

A minha conclusão é que  a alegria não tem autoridade, porque é jovem e que a tristeza está num trono e é sempre demasiado respeitada. Donde tiro que é preciso resistir à tristeza, não somente porque a alegria é boa, o que seria já uma espécie de razão, mas porque é preciso ser justo, e que a tristeza, sempre eloquente, sempre imperiosa, nunca quer que se veja o justo.


Alain
(Tradução de José Ames)

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