LI
Ao melancólico só tenho uma coisa a dizer: “Olha ao
longe.” Quase sempre o melancólico é um homem que lê demasiado. O olho humano
não foi feito para essa distância, É nos grandes espaços que repousa. Quando
olhas as estrelas ou o horizonte do mar, o olho está completamente distendido,
a cabeça livre, a marcha mais segura; tudo se distende e flexibiliza até às vísceras. Mas não tentes
distender-te pela vontade; a tua vontade em ti, aplicada em ti, puxa de través
e acabará por te estrangular; não penses em ti; olha ao longe.
É verdade que a melancolia é doença; e o médico pode
algumas vezes adivinhar a causa e dar o remédio; mas este remédio reconduz a
atenção para o corpo, e a preocupação que se tem de seguir o regime destrói
justamente o efeito; eis por que o médico, se é sábio, te reencaminha para o
filósofo. Mas, quando corres ao filósofo, o que é que encontras? Um homem que
lê demasiado, que pensa como um míope, e que é mais triste do que tu.
O Estado devia ter
escola de sageza como de
medicina. E como? Pela verdadeira ciência, que é contemplação das coisas, e
poesia grande como o mundo. Porque a mecânica dos nossos olhos, que se repousam
nos largos horizontes, ensina-nos uma grande verdade. É preciso que o
pensamento liberte o corpo e o devolva ao Universo, que é a nossa verdadeira
pátria. Há um profundo parentesco entre o nosso destino de homem e as funções
do nosso corpo. O animal, desde que as coisas próximas o deixam em paz,
deita-se e dorme; o homem pensa; se é um pensamento de animal, coitado dele.
Ei-lo que duplica os seus males e as sua necessidades; ei-lo que se tortura de
medo e esperança; o que faz com que o seu corpo não cesse de ficar tenso, de se
agitar, de se lançar, de se retrair, segundo os jogos da imaginação; sempre
suspeitando, sempre espiando coisas e pessoas à volta dele. E se se quer
libertar, ei-lo nos seus livros, universo fechado ainda, demasiado perto dos
seus olhos, demasiado perto das suas paixões. O pensamento constrói-se uma
prisão e o corpo sofre; porque dizer que o pensamento se estreita e dizer que o
corpo trabalha contra si próprio, é dizer a mesma coisa. O ambicioso refaz mil
vezes os seus discursos, e o amoroso mil vezes as suas orações. É preciso que o
espírito viage e contemple, se se quer que o corpo esteja bem.
Ao que a ciência nos conduzirá, desde que não seja
ambiciosa, nem tagarela, nem impaciente; desde que nos desvie dos livros e leve
o nosso olhar à distância do horizonte. É preciso portanto que seja percepção e
viagem. Um objecto, pelas relações verdadeiras que nele descobres, conduz-te a
um outro e a mil outros, e este turbilhão do rio transporta o teu pensamento
até aos ventos, até às nuvens, e até aos planetas. O verdadeiro saber nunca se
reduz a alguma pequena coisa muito perto dos olhos; porque saber é compreender
como a menor coisa está ligada ao todo; nenhuma coisa tem a sua razão em si, e
assim o movimento justo nos afasta de nós mesmos; isso não é menos são para o
espírito do que para os olhos. Por onde o teu espírito se repousará neste
universo que é o seu domínio, e se acordará com a vida do teu corpo que está
ligada também a todas as coisas. Quando o cristão dizia: “O céu é a nossa
pátria”, não julgava dizer tão bem. Olha ao longe.
Alain
(Tradução de José Ames)
Sem comentários:
Enviar um comentário