LVII
“Um tratante, dizia alguém, não se mata por tão pouco.”
Não é a primeira vez, nem a última, que um homem honesto se crê desonrado, se
mata, e é chorado por aqueles mesmos de quem se julgava desprezado. Procuro, a
propósito deste drama que ficará durante muito tempo presente na nossa memória,
o que é que faz que o homem que quer ser justo e razoável pareça muitas
vezes ter dominado certas paixões apenas
para ser atacado e vencido por outras; e também por que pensamentos poderia
combater o desespero.
Julgar duma situação, colocar um problema difícil,
procurar a solução, não a encontrar, não saber o que resolver, andar à volta
com os mesmos pensamentos como um cavalo no carrocel, isso só, direis vós, é um
tormento, e a inteligência tem também pontas para nos picar. Não, de maneira
nenhuma. É preciso justamente começar por não cair nesse erro; Há muitos
problemas onde nada se vê; e consolamo-nos facilmente. Um conselho, um
liquidatário, um juiz podem bem decidir que um caso é sem esperança, ou mesmo
nada poderem decidir, sem perder o
apetite nem o sono. O que nos magoa, nos pensamentos inextricáveis, não são os
pensamentos inextricáveis, é antes uma espécie de luta e de resistência contra
isso mesmo, ou, se quiserdes, um desejo de que as coisas não sejam como elas
são. Em todo o movimento de paixão, creio que há uma resistência contra o
irreparável. Por exemplo, se alguém sofre por amar uma mulher tola, ou vaidosa,
ou fria, é porque ele se obstina a querer que ela não seja como é. Da mesma
maneira, quando uma ruína é inevitável e que se sabe isso, a paixão quer
esperar, e de certo modo ordena ao pensamento para refazer ainda uma vez o
mesmo caminho, a fim de encontrar alguma bifurcação que conduza a outra parte.
Mas o caminho está feito; está-se justamente onde se está; e, nos caminhos do
tempo não se pode voltar atrás, nem refazer duas vezes o mesmo caminho. Por
isso mantenho que um carácter firme é aquele que se diz a si mesmo o que se
passa, quais são os factos, qual é ao certo o irreparável, e que parte daí para
o futuro. Mas não é fácil, e é preciso exercitar-nos nas pequenas coisas; sem o
que a paixão será como o leão na jaula, que durante duas horas pisa diante da
grade, como se esperasse sempre, quando está numa ponta, não ter olhado bem a
outra. Em suma, esta tristeza que nasce da contemplação do passado não serve
para nada e é mesmo muito prejudicial, porque nos faz reflectir em vão e
procurar em vão. Spinoza diz que o arrependimento é uma segunda falta.
“Mas, diz o homem triste, se leu Spinoza, eu não posso
estar sempre alegre se estou triste; isso depende dos meus humores, da minha
fadiga, da minha idade e do tempo que faz.” Bom. Diga isso a você mesmo, diga-o
seriamente, reenvie a tristeza às suas verdadeiras causas; parece-me que os
seus graves pensamentos serão expulsos por aí, como as nuvens pelo vento. A
terra será carregada de males, mas o céu ficará claro; é outro tanto de ganho;
você terá reenviado a tristeza para o corpo; os seus pensamentos ficarão como
que limpos. Ou digamos, se quiser, que o pensamento dá asas à tristeza e faz
dela um desgosto que plana; enquanto que pela minha reflexão, se ela aponta
bem, eu quebro as asas, e tenho só um desgosto rastejante. Que está sempre diante dos meus pés, mas já
não está diante dos meus olhos. Só que, e aí está o diabo, nós queremos sempre
um mal que voe bastante alto.
Alain
(Tradução de José Ames)
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