sexta-feira, 20 de abril de 2012

DO DESESPERO

LVII


“Um tratante, dizia alguém, não se mata por tão pouco.” Não é a primeira vez, nem a última, que um homem honesto se crê desonrado, se mata, e é chorado por aqueles mesmos de quem se julgava desprezado. Procuro, a propósito deste drama que ficará durante muito tempo presente na nossa memória, o que é que faz que o homem que quer ser justo e razoável pareça muitas vezes  ter dominado certas paixões apenas para ser atacado e vencido por outras; e também por que pensamentos poderia combater o desespero.

Julgar duma situação, colocar um problema difícil, procurar a solução, não a encontrar, não saber o que resolver, andar à volta com os mesmos pensamentos como um cavalo no carrocel, isso só, direis vós, é um tormento, e a inteligência tem também pontas para nos picar. Não, de maneira nenhuma. É preciso justamente começar por não cair nesse erro; Há muitos problemas onde nada se vê; e consolamo-nos facilmente. Um conselho, um liquidatário, um juiz podem bem decidir que um caso é sem esperança, ou mesmo nada  poderem decidir, sem perder o apetite nem o sono. O que nos magoa, nos pensamentos inextricáveis, não são os pensamentos inextricáveis, é antes uma espécie de luta e de resistência contra isso mesmo, ou, se quiserdes, um desejo de que as coisas não sejam como elas são. Em todo o movimento de paixão, creio que há uma resistência contra o irreparável. Por exemplo, se alguém sofre por amar uma mulher tola, ou vaidosa, ou fria, é porque ele se obstina a querer que ela não seja como é. Da mesma maneira, quando uma ruína é inevitável e que se sabe isso, a paixão quer esperar, e de certo modo ordena ao pensamento para refazer ainda uma vez o mesmo caminho, a fim de encontrar alguma bifurcação que conduza a outra parte. Mas o caminho está feito; está-se justamente onde se está; e, nos caminhos do tempo não se pode voltar atrás, nem refazer duas vezes o mesmo caminho. Por isso mantenho que um carácter firme é aquele que se diz a si mesmo o que se passa, quais são os factos, qual é ao certo o irreparável, e que parte daí para o futuro. Mas não é fácil, e é preciso exercitar-nos nas pequenas coisas; sem o que a paixão será como o leão na jaula, que durante duas horas pisa diante da grade, como se esperasse sempre, quando está numa ponta, não ter olhado bem a outra. Em suma, esta tristeza que nasce da contemplação do passado não serve para nada e é mesmo muito prejudicial, porque nos faz reflectir em vão e procurar em vão. Spinoza diz que o arrependimento é uma segunda falta.

“Mas, diz o homem triste, se leu Spinoza, eu não posso estar sempre alegre se estou triste; isso depende dos meus humores, da minha fadiga, da minha idade e do tempo que faz.” Bom. Diga isso a você mesmo, diga-o seriamente, reenvie a tristeza às suas verdadeiras causas; parece-me que os seus graves pensamentos serão expulsos por aí, como as nuvens pelo vento. A terra será carregada de males, mas o céu ficará claro; é outro tanto de ganho; você terá reenviado a tristeza para o corpo; os seus pensamentos ficarão como que limpos. Ou digamos, se quiser, que o pensamento dá asas à tristeza e faz dela um desgosto que plana; enquanto que pela minha reflexão, se ela aponta bem, eu quebro as asas, e tenho só um desgosto rastejante.  Que está sempre diante dos meus pés, mas já não está diante dos meus olhos. Só que, e aí está o diabo, nós queremos sempre um mal que voe bastante alto.


Alain
(Tradução de José Ames)

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