terça-feira, 3 de abril de 2012

ARISTÓTELES

XLVII


Fazer e não sofrer, tal é o fundo do agradável. Mas porque os açúcares dão um pequeno prazer sem que se tenha de fazer nada além de os deixar derreter, muitas pessoas gostariam de provar a felicidade da mesma maneira, e estão bem enganadas. Recebe-se pouco prazer da música se nos limitamos a ouvi-la e se não a cantamos de algum modo, o que levava um homem engenhoso a dizer que saboreava a música pela garganta e não pela orelha. Mesmo o prazer que vem dos belos desenhos é um prazer de repouso, e que não ocuparia por muito tempo, se não rabiscássemos também, e se não fizéssemos uma colecção; não é simplesmente julgar, é procurar e conquistar. Os homens vão ao espectáculo e aborrecem-se mais do que querem confessar; era preciso inventar, ou pelo menos jogar, o que é ainda inventar. Cada um se recorda dessas comédias de sociedade, em que os actores têm todo o prazer. Lembro-me dessas felizes semanas em que só pensava num teatro de marionetas; mas é preciso dizer que eu cortava o usurário, o militar, o ingénuo e a velha nas raízes, com a minha faca; outros vestiam-nos; não soube nada dos espectadores; a crítica foi-lhes deixada, prazer magro, mas ainda prazer pelo pouco que inventavam. Os que jogam às cartas inventam continuamente e modificam o curso mecânico dos acontecimentos. Não pergunteis àquele que não sabe jogar se gosta do jogo. A política não aborrece desde que se saiba o jogo; mas é preciso aprendê-lo. Assim em todas as coisas; é preciso aprender a ser feliz.

Diz-se que a felicidade nos foge sempre. Isso é verdade da felicidade recebida, porque não há felicidade recebida. Mas a felicidade que fazemos nunca engana. É aprender, e aprende-se sempre. Quanto mais se sabe, mais conseguimos aprender. Donde o prazer de ser latinista, que não tem fim, mas que aumenta até pelo progresso. O prazer de ser músico é na mesma. E Aristóteles diz esta coisa espantosa, que o verdadeiro músico é aquele que se compraz na política. “Os prazeres, diz ele, são o sinal da força.” Esta frase ressoa pela perfeição dos termos que nos leva para além da doutrina; e se se quiser compreender este espantoso génio, tantas vezes e tão vãmente renegado, é aqui que é preciso olhar. O sinal do progresso verdadeiro em toda a acção é o prazer que aí se sabe ter. Donde se vê que o trabalho é a única coisa deliciosa, e que basta. Quero dizer, o trabalho livre, efeito da força e ao mesmo tempo origem de força. Mais uma vez, não sofrer, mas agir.

Cada um já viu esses pedreiros que constroem para si uma casinha no tempo vago. É preciso vê-los escolher cada pedra. Este prazer está em todo o ofício, porque o operário inventa e aprende sempre. Mas, além de que a perfeição mecânica traz o aborrecimento, é uma grande desordem também quando o operário não participa na obra, e recomeça sempre, sem possuir aquilo que faz, sem a utilizar para aprender ainda. Pelo contrário, a sequência dos trabalhos e a obra promessa de obra é o que faz a felicidade do camponês, quero dizer livre e senhor em sua casa. Todavia, há um grande rumor de todos contra estas alegrias  que custam tanto esforço, e sempre pela funesta ideia duma felicidade recebida que se saboreia. Porque é o esforço que é bom, como Diógenes dizia; mas ao espírito não agrada trazer esta contradição; é preciso que a supere, e, uma vez mais, que faça prazer de reflectir nesse esforço.


Alain
(Tradução de José Ames)

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