LXXVII
Há maravilhosas alegrias na amizade. Compreende-se isso
bem se se notar que a alegria é contagiosa. Basta que a minha presença provoque
no meu amigo um pouco de verdadeira alegria para que o espectáculo dessa
alegria me faça experimentar alegria, por minha vez; assim a alegria que cada
um dá é-lhe devolvida; ao mesmo tempo tesouros de alegria são postos em liberdade, e ambos se dizem: “Eu tinha em mim felicidade da qual não fazia nada.”
A fonte da alegria está dentro, convenho; e nada é mais
entristecedor do que ver pessoas descontentes com elas e com tudo, que fazem
cócegas umas às outras para se fazerem rir. Mas é preciso dizer também que o
homem contente, se está só, esquece depressa que está contente; toda a sua
alegria em breve fica adormecida; chega a uma espécie de estupidez e de
insensibilidade. O sentimento interior tem necessidade de movimentos exteriores.
Se algum tirano me aprisionasse para me ensinar a respeitar os poderes, eu
teria como regra de saúde rir sozinho todos os dias; daria exercício à minha
alegria como daria às minhas pernas.
Eis um feixe de ramos secos. Estão inertes na aparência
como a terra; se os deixardes ali, tornar-se-ão terra. No entanto, encerram
um ardor escondido que tomaram do sol. Aproximai a mais pequena chama, e
logo tereis um braseiro crepitante. Era preciso só sacudir a porta e despertar
o prisioneiro.
É assim que é preciso uma espécie de arranque para despertar a alegria. Quando
o bebé ri pela primeira vez, o seu riso não exprime nada de nada; ele não ri
porque é feliz; eu diria antes que é feliz porque ri; tem prazer em rir, como
tem em comer; mas é preciso primeiro que coma. Isso não é verdade somente para
o riso; precisamos também de palavras para saber o que pensamos. Enquanto
estamos sós não podemos ser nós. Os moralistas imbecis dizem que amar é
esquecer-se a si próprio; visão demasiado simples; quanto mais saímos de nós
mesmos, mais somos nós mesmos; mais também nos sentimos viver. Não deixes
apodrecer a lenha na tua cave.
Alain
(Tradução de José Ames)
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