terça-feira, 22 de maio de 2012

AMIZADE

LXXVII


Há maravilhosas alegrias na amizade. Compreende-se isso bem se se notar que a alegria é contagiosa. Basta que a minha presença provoque no meu amigo um pouco de verdadeira alegria para que o espectáculo dessa alegria me faça experimentar alegria, por minha vez; assim a alegria que cada um dá é-lhe devolvida; ao mesmo tempo tesouros de alegria  são postos em liberdade, e ambos se dizem: “Eu tinha em mim felicidade da qual não fazia nada.”

A fonte da alegria está dentro, convenho; e nada é mais entristecedor do que ver pessoas descontentes com elas e com tudo, que fazem cócegas umas às outras para se fazerem rir. Mas é preciso dizer também que o homem contente, se está só, esquece depressa que está contente; toda a sua alegria em breve fica adormecida; chega a uma espécie de estupidez e de insensibilidade. O sentimento interior tem necessidade de movimentos exteriores. Se algum tirano me aprisionasse para me ensinar a respeitar os poderes, eu teria como regra de saúde rir sozinho todos os dias; daria exercício à minha alegria como  daria às minhas pernas.

Eis um feixe de ramos secos. Estão inertes na aparência como a terra; se os deixardes ali, tornar-se-ão terra. No entanto,  encerram  um ardor escondido que tomaram do sol. Aproximai a mais pequena chama, e logo tereis um braseiro crepitante. Era preciso só sacudir a porta e despertar o prisioneiro.

É assim que é preciso uma espécie  de arranque para despertar a alegria. Quando o bebé ri pela primeira vez, o seu riso não exprime nada de nada; ele não ri porque é feliz; eu diria antes que é feliz porque ri; tem prazer em rir, como tem em comer; mas é preciso primeiro que coma. Isso não é verdade somente para o riso; precisamos também de palavras para saber o que pensamos. Enquanto estamos sós não podemos ser nós. Os moralistas imbecis dizem que amar é esquecer-se a si próprio; visão demasiado simples; quanto mais saímos de nós mesmos, mais somos nós mesmos; mais também nos sentimos viver. Não deixes apodrecer a lenha na tua cave.


Alain
(Tradução de José Ames)

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