quarta-feira, 16 de maio de 2012

BOM HUMOR

LXXIII


Se eu tivesse, por acaso, que escrever um tratado de moral, colocaria o bom humor no primeiro nível dos deveres. Não sei que feroz religião nos ensinou que a tristeza é grande e bela, e que o sábio deve meditar sobre a morte cavando o seu próprio túmulo. Quando eu tinha dez anos, visitei a Grande Trapa; vi esses túmulos que eles escavavam um pouco todos os dias, e a capela mortuária onde os mortos  ficavam uma boa semana, para edificação dos vivos. Estas imagens lúgubres e este odor cadavérico perseguiram-me durante muito tempo; mas  queriam provar demasiado. Não posso dizer ao certo, porque o esqueci, em que momento e por que razões saí do catolicismo. Mas desde esse momento disse a mim mesmo: “Não é possível que seja esse o verdadeiro segredo da vida.” Todo o meu ser se revoltava contra esses monges choramingas. E libertei-me da sua religião como duma doença.

Tenho de qualquer maneira a marca. Temo-la todos. Gememos demasiado facilmente e por pequeníssimas causas. E mesmo, quando as circunstâncias nos trazem um verdadeiro pesar, cremos dever manifestá-lo. Sobre esse tema correm falsos juízos que cheiram a sacristia. Perdoaríamos tudo a um homem que sabe chorar. Por isso é preciso ver que tragédias se representam sobre os túmulos. O orador está como que quebrado, e as palavras ficam-lhe presas na garganta. Um antigo teria piedade de nós. Dir-se-ia: “Como? Não é então um consolador que fala. Não é um guia para a vida. É só um actor trágico; um mestre de tristeza e de morte.” E que pensaria do selvagem Dies irae? Creio que reenviaria este hino à tragédia. “ Porque, diria ele, é quando eu não estou desgostoso que me posso dar em espectáculo paixões deprimentes. É então uma boa lição para mim. Mas desde que um verdadeiro desgosto cai sobre mim, não tenho outro dever então que me mostrar homem e de apertar fortemente a vida; e de  reunir a minha vontade e a minha vida contra a infelicidade, como um guerreiro que faz frente ao inimigo; e falar dos mortos com amizade e alegria, tanto quanto possa. Mas eles, com o seu desespero, fariam corar os mortos, se os mortos os vissem.”

Sim, falta-nos, depois de termos afastado as mentiras dos padres, tomar a vida nobremente e não nos dilacerarmos a nós mesmos, e os outros por contágio, através de declamações trágicas. E ainda melhor, porque tudo está ligado, contra os pequenos males da vida, não os contar nunca, não os expor nem os aumentar. Ser bom com os outros e consigo. Ajudá-los a viver, ajudar-se a si mesmo a viver, eis a verdadeira caridade. A bondade é alegria. O amor é alegria.


Alain
(Tradução de José Ames)

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