LXXIII
Se eu tivesse, por acaso, que escrever um tratado de
moral, colocaria o bom humor no primeiro nível dos deveres. Não sei que feroz
religião nos ensinou que a tristeza é grande e bela, e que o sábio deve meditar
sobre a morte cavando o seu próprio túmulo. Quando eu tinha dez anos, visitei a
Grande Trapa; vi esses túmulos que eles escavavam um pouco todos os dias, e a
capela mortuária onde os mortos ficavam
uma boa semana, para edificação dos vivos. Estas imagens lúgubres e este odor
cadavérico perseguiram-me durante muito tempo; mas queriam provar demasiado. Não posso dizer ao
certo, porque o esqueci, em que momento e por que razões saí do catolicismo.
Mas desde esse momento disse a mim mesmo: “Não é possível que seja esse o
verdadeiro segredo da vida.” Todo o meu ser se revoltava contra esses monges
choramingas. E libertei-me da sua religião como duma doença.
Tenho de qualquer maneira a marca. Temo-la todos. Gememos demasiado
facilmente e por pequeníssimas causas. E mesmo, quando as circunstâncias nos
trazem um verdadeiro pesar, cremos dever manifestá-lo. Sobre esse tema correm
falsos juízos que cheiram a sacristia. Perdoaríamos tudo a um homem que sabe
chorar. Por isso é preciso ver que tragédias se representam sobre os túmulos. O
orador está como que quebrado, e as palavras ficam-lhe presas na garganta. Um
antigo teria piedade de nós. Dir-se-ia: “Como? Não é então um consolador que
fala. Não é um guia para a vida. É só um actor trágico; um mestre de tristeza e
de morte.” E que pensaria do selvagem Dies irae? Creio que reenviaria
este hino à tragédia. “ Porque, diria ele, é quando eu não estou desgostoso que
me posso dar em espectáculo paixões deprimentes. É então uma boa lição para
mim. Mas desde que um verdadeiro desgosto cai sobre mim, não tenho outro dever
então que me mostrar homem e de apertar fortemente a vida; e de reunir a minha vontade e a minha vida contra
a infelicidade, como um guerreiro que faz frente ao inimigo; e falar dos mortos
com amizade e alegria, tanto quanto possa. Mas eles, com o seu desespero,
fariam corar os mortos, se os mortos os vissem.”
Sim, falta-nos, depois de termos afastado as mentiras dos
padres, tomar a vida nobremente e não nos dilacerarmos a nós mesmos, e os
outros por contágio, através de declamações trágicas. E ainda melhor, porque
tudo está ligado, contra os pequenos males da vida, não os contar nunca, não os
expor nem os aumentar. Ser bom com os outros e consigo. Ajudá-los a viver,
ajudar-se a si mesmo a viver, eis a verdadeira caridade. A bondade é alegria. O
amor é alegria.
Alain
(Tradução de José Ames)
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