LXXXI
Todos estes desejos e todos estes votos, floração de
Janeiro, são apenas sinais; seja. Mas os sinais importam muito. Os homens
viveram durante séculos e séculos segundo sinais como se todo o universo, pelas
nuvens, o raio e os pássaros, lhes
desejassem boa caça ou má viagem. Ora, o universo só anuncia uma coisa depois
de outra; e o erro era sempre
interpretar este mundo como um rosto que aprovasse ou censurasse.
Estamos mais ou menos curados de nos perguntarmos se o universo tem uma
opinião, e qual. Mas nunca ficaremos
curados de nos perguntarmos se os nossos semelhantes têm uma opinião, e
qual. Nunca ficaremos curados, porque
esta opinião, uma vez significada, muda profundamente a nossa.
Coisa digna de observar, achamo-nos mais fortes contra uma
opinião apoiada em razões, e em palavras explícitas, do que contra uma opinião
muda. O primeiro género de opinião, que é conselho, é preciso muitas vezes desprezá-lo; o outro,
não o podemos desprezar. Agarra-nos mais em baixo; e como não sabemos como é
que ele nos agarra, não sabemos desprender-nos. Há desses rostos que trazem
afixada como que uma censura universal. Nesse caso, fugi, se podeis. Porque é
preciso que o homem imite o homem; e eis-me, pelo jogo da minha face e sem que
eu me possa dar conta, eis-me também a censurar. A censurar o quê? Não sei. Mas
esta cor triste esclarece todas as minhas ideias e todos os meus projectos.
Procuro razões nessas próprias ideias e nesses próprios projectos. Procuro
razões e encontro-as sempre, porque tudo é complicado e há riscos em todo o lado. E, como enfim é preciso agir e
arriscar-se, quanto mais não seja para atravessar uma rua, ajo sem confiança,
quer dizer menos vivamente, menos livremente. Um homem que tenha a ideia de que
vai ser esmagado não é ajudado por isso, mas pelo contrário, paralisado. Nos
assuntos mais longos, mais compostos, mais incertos, o efeito desses
pressentimentos que se recebem dum rosto inimigo é ainda mais sensível. Um
certo olhar será sempre feiticeiro.
Volto a esta festa da cortesia, que é uma importante
festa. No tempo em que cada um olha este futuro em cartão, que o carteiro nos
traz, é muito mau que estas semanas e estes meses, que não podemos conhecer tal
como serão, sejam tingidos por um humor triste. Boa regra, portanto, que quer que cada um seja bom profeta nesse
dia, que cada um erga as cores da amizade. Uma bandeira ao vento pode regozijar
um homem; ele não sabe nunca qual era o humor do outro homem, daquele que içou
a bandeira. Ainda muito melhor, esta alegria afixada sobre os rostos é boa para
todos; e, ainda melhor, de pessoas que eu não conhecia de todo; porque então
não discuto os sinais; tomo-os como são; é o melhor. E é profundamente verdade
que um sinal feliz dispõe à alegria aquele que o lança. Tanto mais que pela
imitação esses sinais são reenviados sem fim. Não digais nunca que a alegria
das crianças é para as crianças. Mesmo sem reflexão, mesmo sem afectação
nenhuma, nós damos grande atenção aos sinais das crianças; cada um é aqui ama;
cada um aqui começa o jogo de imitar com vista a compreender, pelo qual se
instruem as crianças.
Este dia de festa ser-vos-á bom, queirai-lo vós ou não.
Mas, se o quiserdes, se virardes de todos os lados esta grande ideia da
cortesia, então a festa será verdadeiramente festa para vós, Porque, dispondo
os vossos pensamentos segundo os sinais, tomareis alguma forte resolução de
nunca mais lançar, ao longo dos meses por vir, qualquer sinal envenenado, nem
nenhum presságio que possa diminuir a alegria de alguém; assim, em primeiro
lugar sereis forte contra todos esses pequenos males que não são nada, e cuja
declamação triste faz no entanto alguma coisa. E, por esta felicidade em
esperança, sereis feliz imediatamente. É o que eu vos desejo.
Alain
(Tradução de José Ames)
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