terça-feira, 8 de maio de 2012

OPTIMISMO

LXVIII


“Peçamos a Deus que não seja o guarda campestre”, diziam as pensionistas bem ingénuas perdidas nas culturas, e muito inquietas por causa dum que homem que vinha. Considerei mais de uma vez este exemplo, diria quase que este modelo de ingenuidade, antes de o compreender humanamente. É verdade que tudo aí está confundido; mais sem dúvida nas palavras do que nas ideias, como acontece com todos nós, que aprendemos a falar antes de aprender a pensar.

Esta anedota voltava-me ao espírito enquanto alguém bastante inteligente batia o pé e resistia diante deste “optimismo determinado, desta esperança de olhos fechados, desta mentira a si mesmo”. E era de Alain que ele falava, porque este filósofo ingénuo, e quase selvagem ainda, queria considerar, apesar das provas assaz evidentes, que os homens são de boa vontade honestos, modestos, razoáveis e afectuosos; que a paz e a justiça vêm a nós dando-se as mãos; que as virtudes guerreiras matarão a guerra; que o eleitor escolherá os mais dignos, e outras piedosas consolações, que não mudam no entanto os factos. É tal e qual como se um passeante  dissesse, na soleira da sua porta: “Eis uma nuvem grossa que me estraga já o passeio; por minha fé, prefiro acreditar que não vai chover.” Vale mais ver a nuvem mais negra do que é e levar um guarda-chuva. Era assim que ele troçava, e eu ria bem; porque este raciocínio que  fazia mostra uma bela aparência, mas é só um cenário sem espessura, e eu logo toquei com as mãos o rústico muro que é a minha casa.

Há o futuro que se faz e o futuro que fazemos. O futuro real compõe-se dos dois. A respeito do futuro que se faz, como tempestade ou eclipse, não serve de nada esperar, é preciso saber, e observar com os olhos secos. Como se limpam os vidros da luneta, assim é preciso limpar os olhos do embaciado das paixões. Compreendo bem. As coisas do céu, que nunca modificamos, ensinaram-nos a resignação e o espírito geométrico que são uma boa parte da sabedoria. Mas nas coisas terrestres, quantas mudanças pelo homem industrioso! O fogo, o trigo, o navio, o cão domesticado, o cavalo domado, eis obras que o homem nunca teria feito se a ciência tivesse matado a esperança.

Sobretudo na própria ordem humana, em que a confiança faz parte dos factos, eu conto muito mal se não contar a minha própria confiança. Se acredito que vou cair, eu caio; se acredito que não posso fazer nada, nada posso. Se creio que a minha esperança me ilude, ela ilude-me. Atenção aí. Eu faço o bom tempo e a tempestade; primeiro, em mim; à minha volta também, no mundo dos homens. Porque o desespero, e também a esperança, vão de um ao outro mais depressa do que mudam as nuvens. Se tenho confiança, ele é honesto; se à partida o acuso, ele rouba-me. Todos eles me pagam, conforme a moeda. E pensai bem nisto ainda, é que a esperança só se mantém pela vontade, estando fundada no que se fará se se quiser. Como paz e justiça; em lugar do que o desespero se instala e se fortifica por si mesmo só pela força do que é. Aqui está por que observações se salva o que é de salvar na religião, e que a religião perdeu, quero dizer a bela esperança.


Alain
(Tradução de José Ames)

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