sexta-feira, 4 de maio de 2012

ESTOICISMO

LXVI


Talvez se tenha compreendido mal os famosos estóicos, como se eles nos ensinassem somente a resistir ao tirano e a afrontar os suplícios. Quanto a mim, vejo mais do que um uso da sua sabedoria viril, apenas contra a chuva e a tempestade. A sua reflexão consistia, como se sabe, num movimento para se separar do sentimento penoso e considerá-lo como um objecto, dizendo-lhe: “Tu és das coisas; tu não és eu.” Pelo contrário, todos aqueles que não têm a arte de viver como reis sobre um escabelo deixam entrar a tempestade dentro deles mesmo, dizendo de boa vontade: “Sinto a tempestade de longe; estou impaciente e acabrunhado ao mesmo tempo. Atroa pois, ó céu!” É propriamente viver como um animal, com o pensamento a mais. Porque, segundo a aparência, o animal é modificado por inteiro pela tempestade que vem, da mesma maneira que a planta se curva sob um sol forte e se endireita na sombra; mas o animal não sabe grande coisa, da mesma maneira que no meio-sono nós não sabemos se estamos alegres ou tristes. Este estado de torpor é bom também para o homem e sempre repousante, mesmo nas maiores dificuldades, com a condição de que o infeliz se relaxe completamente; entendo-o à letra; é preciso que todos os membros estejam bem apoiados e todos os músculos distendidos; há uma arte de os apertar em repouso, que é uma espécie de massagem pelo interior, e que é o oposto da crispação, causa de cólera, de insónia, de ansiedade. Àqueles que não podem adormecer, eu digo de boa vontade: “fazei de gato morto.”

Agora, se não se pode descer a este estado animal, que é a verdade da virtude epicureana, então é preciso despertar fortemente, e saltar, de alguma maneira, até à virtude estóica; porque elas são boas uma e outra, e é o entre-duas que não vale nada. Se não se pode mergulhar no estado tempestuoso ou chuvoso, é preciso então repeli-lo, separar-se dele; dizer: “É chuva e tempestade, não sou eu.” Mais difícil, seguramente, quando se trata duma censura injusta, ou duma decepção, ou dum ciúme; estas feras colam-se a vós. Mas é preciso então que nos lembremos de dizer enfim: “Não é nenhum  milagre se depois desta decepção eu estou triste; é natural como a chuva e o vento.” Este conselho irrita os apaixonados; eles obrigam-se, atam-se eles mesmos; abraçam o seu desgosto. Comparo-os à criança que grita como um burro e se irrita de tal maneira por se ver assim tão estúpida, que grita ainda mais forte. Podia libertar-se a ela mesma dizendo: “E então o quê? É só uma criança que grita.” Mas ela não sabe viver ainda. E de resto a arte de viver é muito pouco conhecida. Mas eu mantenho  que um dos segredos da felicidade, é ser indiferente ao seu próprio humor; assim desprezado, o humor recai na vida animal, como um cão volta à sua casota. É este, segundo a minha opinião, um dos mais importantes capítulos da moral real; separar-se das suas faltas, dos seus pesares, de todas as misérias de reflexão. Dizer: “Esta cólera passará quando quiser.” Semelhante à criança que não se ouve chorar, ela passa imediatamente. George Sand, que tinha cabeça, representou bem esta alma real em Consuelo, obra forte, muito pouco lida.


Alain
(Tradução de José Ames)

                                                                                                                                            

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