LXXIX
Se a irresolução é o pior dos males, compreende-se que a
cerimónia, a função, o trajo, a moda sejam os deuses deste mundo. Toda a
improvisação irrita, não tanto pela ideia do que se poderia fazer ou dizer de
diferente, mas mais pela mistura de duas acções no corpo, o que enlouquece os
músculos nossos servidores, e por um rápido efeito, o coração, nosso tirano. Um
homem surpreendido e apanhado em falta é um doente. É por isso que a liberdade
torna o homem mau. A criança o mostra; não há jogo livre, que não se torne
brutal. Sobre o que muito nos enganaríamos se supuséssemos maus instintos
sempre retesados como arcos, e que a lei reprime. Mas a lei agrada, e pelo
contrário a ausência de lei desagrada e irrita pela irresolução, o que leva à
extravagância. O homem nu é frenético. O trajo é já uma lei, e toda a lei
agrada como um trajo. Luís XIV teve um poder espantoso e na aparência
inexplicável sobre aqueles que dele se aproximavam; isso provinha de todas
aquelas leis que ele estabelecia, para levantar, deitar, cadeira furada. Não se
deve dizer que é porque era poderoso que
impunha essas leis; mas pelo contrário, deve dizer-se que era poderoso porque
ele mesmo era lei; cada um à sua volta sabia sempre, mais passo menos passo, o
que tinha que fazer; donde alguma ideia da paz egípcia.
A guerra tem tudo para desagradar; mas o raciocínio
engana-se nisso; é que nela os homens encontram imediatamente a paz; digo a
verdadeira paz, a que habita a nossa pele. Cada um sabe o que tem a fazer. A
razão em vão evoca a desgraça, mas não mete medo nenhum; não chega a cobrir um fundo
de alegria; cada um vê uma função bem definida, que é a sua porção, e
acções que não pode adiar; todo o seu
pensamento corre nesse sentido e o corpo segue; e este consentimento faz logo um estado de coisas humanas, que é
preciso aguentar, como se faz com um ciclone. Espantamo-nos que os poderes obtenham tanto; mas eles obtêm
muito justamente porque pedem muito.
Assim é a regra monástica que tão bem cura a irresolução. Não é nada aconselhar
a oração; é preciso ordenar tal oração, a tal hora. A sabedoria própria dos
poderes acaba sempre num comando seco, sem nenhuma razão. A menor razão fará
nascer de imediato dois pensamentos e mil. Claro que é agradável pensar; mas é
preciso que o prazer de pensar se contente com a arte de decidir. Este modelo
do homem está em Descartes; e sabe-se que ele fez a guerra, não se pode dizer
para o seu prazer, mas por um método de se libertar de pensamentos que o
emocionavam demasiado.
Gostaríamos de rir da moda; mas a moda é qualquer coisa de
muito sério. O espírito dá-se o ar de desprezar, mas primeiro põe uma gravata.
O uniforme e o hábito revelam efeitos espantosos para acalmar. São vestimentas
do sono; são pregas da doce preguiça, aquela que age sem pensar. A moda leva ao
mesmo fim, mas poupando a arte de
escolher, que está toda na imaginação. As cores atraem, mas a necessidade de
escolher amedrontaria. Aqui o mal só é mostrado para melhor se saborear o
remédio, como no teatro. Donde esta segurança ontem em vermelho e reencontrada
em azul. É um acordo de opinião, e é o acordo que faz a prova. Donde uma
serenidade que realmente embeleza. Porque é verdade que o amarelo não fica bem
às loiras, nem o verde às morenas. Mas o esgar da inquietude, da inveja e do
desgosto não fica bem a ninguém.
Alain
(Tradução de José Ames)
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