quinta-feira, 10 de maio de 2012

PACIÊNCIA

LXX


Quando vou apanhar o comboio, oiço sempre pessoas que dizem: "Você só chega a tal hora. Como esta viagem é longa e aborrecida!” O mal é que elas acreditam nisso; e é aí que o nosso estóico teria dez vezes razão quando diz: "Suprime o juízo, suprimes o mal.”

Se se olhassem as coisas de outra maneira, ser-se ia levado a considerar uma viagem de caminho de ferro como um dos prazeres mais vivos. Se se abrisse algum panorama onde se vissem as cores do céu e da terra e a fuga das coisas como sobre uma grande roda cujo centro estivesse no fundo do horizonte, se se desse um tal espectáculo, toda a gente gostaria de o ter visto. E se o inventor realizasse também a trepidação do comboio e todos os ruídos da viagem, ainda pareceria mais belo.

Ora todas estas maravilhas, desde que subis para o caminho de ferro, as tendes grátis; sim, grátis, porque pagais para ser transportados, não para ver vales, rios e montanhas. A vida está cheia destes prazeres vivos, que não custam nada, e de que não gozamos o bastante. Seriam precisos letreiros em todas as línguas e um pouco por todo o lado, para dizer: "Abri os olhos, senti prazer.”

Ao que respondeis: "Eu sou viajante, não espectador. Um assunto importante quer que eu esteja aqui ou ali, o mais cedo que possa. É nisso que penso; conto os minutos e as voltas de roda. Maldigo essas paragens e esses empregados indolentes que empurram as malas sem paixão. Eu empurro as minhas em ideia; empurro o comboio. Você diz que não é razoável, e eu digo que é natural e inevitável, se se tem um pouco de sangue nas veias.”

Certamente que é bom ter sangue nas veias; mas os animais que triunfaram nesta terra não são os mais coléricos; são os mais razoáveis, aqueles que guardam a sua paixão para o momento justo. Assim o terrível esgrimista, não é aquele que bate com pé no soalho e que arranca antes de saber para onde vai; é esse fleumático que espera que a passagem lhe seja aberta e que passa por ela de súbito como uma andorinha. Da mesma maneira, vós que aprendeis a agir, não empurreis a vossa carruagem, pois que ela anda sem vós. Não empurreis o majestoso e imperturbável tempo que conduz todos os universos em conjunto dum instante a outro instante. As coisas só esperam um olhar para vos tomar e levar. Era preciso aprender a ser bom e amigo para si mesmo.


Alain
(Tradução de José Ames)

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