LXXI
“Como é difícil estarmos contentes com alguém!” Estas
severas palavras de La Bruyère devem tornar-nos já prudentes. Porque o bom
senso quer que cada um se adapte às condições reais da vida em sociedade e não
é justo condenar o homem mediano; é loucura de misantropo. Portanto, sem
procurar as causas, acautelo-me para não considerar os meus semelhantes como se
eu fosse um espectador que pagou o seu lugar e que quer que lhe agradem. Mas ao contrário, reexaminando em mim mesmo o
comum desta difícil existência, ponho
tudo à partida no pior; suponho que o interlocutor tem um mau estômago
ou uma dor de cabeça, ou então dificuldades financeiras ou querelas
domésticas. Céu incerto, digo-me eu, céu de Março, cinzento e azul à mistura,
raios de sol e vento frio; tenho as minhas peles e o meu guarda-chuva.
Bom. Mas há melhor do que pensar sobre isso, se
imaginarmos este instável corpo humano, fremente ao menor toque, sempre
inclinado, logo arrebatado, como um ramo de festa, os sentimentos constantes, o
respeito e a conversa agradável à qual parece-me que tenho direito. No entanto,
eu próprio, que estou assim atento ao outro, não o estou nada em relação a mim;
lanço mensagens que ignoro, por um gesto maquinal, por um franzir do cenho; o
sol e o vento compõem o meu rosto. Eu ofereço ao outro justamente aquilo que me
espanta encontrar nele, um homem, quer dizer um animal com a obrigação do
espírito, que se toma sempre demasiado alto, e depois demasiado baixo, que não
pode fazer um sinal sem fazer logo dez, bem melhor que faz sinais com toda a
sua pessoa, sem poder escolher. Nesta
mistura, eu devo, como o pesquisador de oiro, negligenciar o cascalho e a
areia, e reconhecer a mais pequena palheta; sou eu quem tem de procurar; nenhum
homem peneira os discursos que lança, como o faz dos que ouve. Eis-me então
disposto segundo a cortesia, e ainda melhor; abro um largo crédito ao outro,
deixo as escórias, espero o seu verdadeiro pensamento. Mas aqui noto um outro
efeito com o qual não contamos nunca o bastante. Esta benevolência, que eu
mostro, desata imediatamente esse tímido que avança em armas e todo eriçado. Em
suma, destes dois humores que rolam um para o outro como nuvens, é preciso que
um comece a sorrir; se não sois vós a começar, sois um tolo.
Não há homem de que não se possa dizer e pensar muito mal;
não há homem de que não se possa dizer e pensar muito bem. E a natureza humana
é feita de tal modo que não tem medo de desagradar; porque a irritação, que dá
coragem, segue a timidez de muito perto; e o sentimento que temos de ser
desagradáveis torna logo pior. Mas compete a vós, que compreendestes estas
coisas, não entrar nunca neste jogo. É uma experiência espantosa esta e que eu
vos peço que façais uma vez; é mais fácil governar directamente o humor dos
outros que o seu próprio; e quem maneja com precaução o humor do interlocutor é
médico do seu humor por este meio; porque, na conversação tal como na dança,
cada um é o espelho do outro.
Alain
(Tradução de José Ames)
Sem comentários:
Enviar um comentário