LXVII
Lia ontem um desses anúncios como se vêem; “O grande
segredo, o meio seguro de ter sucesso na vida, de agir sobre o espírito dos
outros, e de os dispor favoravelmente. Trata-se dum fluido vital que toda a gente
possui, mas de que o célebre professor X é o único a conhecer o uso. Ele
ensinar-vos-á por dez francos. A partir de agora poder-se-á dizer que aqueles
que não têm sucesso nos seus empreendimentos não tinham dez francos para
gastar, etc.” Como o jornal que imprime estas linhas não o faz em troca de
nada, é de crer que o professor de sucesso e comerciante de fluido magnético
encontra clientes.
Enquanto reflectia sobre isso, veio-me ao espírito que
esse professor era sem dúvida muito mais hábil do que ele próprio cria. Todo o
fluido de lado, o que é que ele faz? Se dá às pessoas um pouco de confiança, é
já muito; é o suficiente para que os seus clientes triunfem dessas pequenas
dificuldades de que se fazem montanhas. A timidez é um grande obstáculo, e muitas
vezes o único obstáculo.
Mas vejo ainda mais. Vejo que ele os forma para a
atenção, a reflexão, a ordem, o método,
sem se dar bem conta disso ele mesmo. Em todas essas pretensas projecções de
fluido, trata-se sempre de imaginar com força alguém ou alguma coisa. Suponho
que o professor os treine pouco a pouco até que saibam fixar bem a sua atenção.
Por isso só, ganhou bem o seu dinheiro. Porque, em primeiro lugar, as pessoas
são, por este meio, desviadas de pensar nelas mesmas, no seu passado, nos seus fracassos,
na sua fadiga, no seu estômago; e ei-las libertas dum fardo que crescia de
instante em instante. Quantas pessoas levam a vida a recriminar! Em segundo
lugar, elas acabam por pensar seriamente naquilo que querem, nas
circunstâncias, nas pessoas, e distintamente, em vez de tudo misturar e
repisar, como se faz algumas vezes em sonho. Que depois disso o sucesso lhes
aconteça, não é para admirar. Não conto os acasos favoráveis que trabalham pelo
professor. E quanto aos acasos contrários, quem falará deles? Comummente cada
um pensa que tem inimigos e nisso se engana. Os homens não têm tanta
consequência, mas é vulgar que se cultivem os seus inimigos com mais atenção do
que os seus amigos. Este homem quer-lhe mal, crê você; ele sem dúvida já o
esqueceu; mas você, você não esqueceu nada; somente pela sua cara, você
lembra-lhe os seus deveres. Um homem não tem outros inimigos além dele próprio.
Ele é sempre para ele mesmo o seu maior inimigo, pelos seus falsos juízos,
pelos seus receios vãos, pelo seu desespero, pelos discursos deprimentes que
tem para si mesmo. Dizer simplesmente a um homem: “ O seu destino depende de
si”, é um conselho que vale bem dez francos; e ainda por cima se tem o fluido.
No tempo de Sócrates, havia em Delfos, como toda a gente
sabe, uma espécie de Sibila inspirada por Apolo, e que vendia conselhos sobre
todas as coisas. Só que o deus, mais honesto do que o nosso comerciante de
fluido, tinha escrito o seu segredo no frontão do templo. E quando um homem
vinha interrogar o destino, a fim de saber o que as coisas fariam por ele ou contra ele, podia ler antes
de entrar, este profundo oráculo, bom para todos: “Conhece-te.”
Alain
(Tradução de José Ames)
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